Por Edney Silvestre
Gente nascida no interior – onde a vida, vamos reconhecer, não é um cascatear de novidades e animação – leva uma vantagem sobre o povo da cidade grande, que tudo sabe, tudo leu, tudo viu e de tudo já ouviu falar. Nós, não. Para nossos olhos roceiros, o que quer que esteja acontecendo tem sabor de primeira vez.
Porque não sabemos como era antes, nunca foi melhor, mais bonito, mais divertido do que está sendo agora. Nossa desinformação nos permite um deslumbramento com tanta coisa diferente, sobre as quais nunca se tinha ouvido falar, que chega a provocar a deliciosa sensação de estarem sendo causadas pela chegada da gente. É como se o mundo estivesse sempre nos oferecendo estreias.
Sunday brunch é a mais recente delas. Para mim, claro. Qualquer outro nova-iorquino sabe que se trata de uma tradição cujas origens se perdem na história das frugais refeições entre as famílias de imigrantes da Europa Central.
Em torno de pão ázimo e peixe seco, os Kivowitz que escaparam das perseguições do Czar Nicolau, os Steinhauser que se viram forçados a deixar a Áustria, os Dolinski fugidos da Polônia ou os Goldman que abandonaram tudo que tinham na Alemanha reuniam-se aos domingos, partilhando a pouca comida de que dispunham e trocando as experiências de como cada um estava “fazendo a América”.
De frugal, hoje em dia, só mesmo as lembranças tristes. Pães e peixes se multiplicaram. Comidas de outras etnias, trazidas por outros caçadores de sonhos ou refugiados de pesadelos semelhantes, foram acrescentadas. Adicionaram-se temperos, outras vozes, novas línguas, instrumentos musicais desconhecidos, coloridas frutas inimagináveis nos guetos sombrios.
Dessa fartura tão americana, que não é almoço nem café da manhã, resultou uma festa que acontece a cada domingo, chova, neve ou fala sol. Além de mais, aberta a todos, pois migrou das salas de jantar para quase todos os restaurantes da Manhattan. De italianos a chineses, de ucranianos a caribenhos, de indianos a polacos, a escolha fica por conta das inclinações étnicas ou gastronômicas de cada um.
Na esquina das Ruas Hudson e Charles, por exemplo, come-se um almoço/café da manhã/ajantarado ao estilo cajum de Nova Orleans. O lugar, um dos mais antigos do Greenwich Village, chama-se Sazerac House e fica num prédio construído em 1826.
Além do crab cake (dois bolos de caranguejo do tamanho de hambúrgueres, servidos com finíssimas batatas-doces fritas e feijões-preto, mais um molho apimentado), oferecem a música de um trio excelente – baixo, sax e bateria – tocando jazz Gershwin e Cole Porter.
O Popover Café, muito mais ao norte da ilha de Manhattan (esquina de Amsterdam Avenue com a Rua 87), encanta a freguesia com suas manteigas de frutas (não me perguntem como fazem, mas a manteiga de morango é uma delícia) e uns pães especiais, gordos, de casca dourada por fora e pouco miolo dentro. Que se chamam, justamente, pop over bread.
No restaurante que todo mundo afirma ser de Robert de Niro, o Tribeca Grill (375, Greenwich Street), a atração, coerentemente, são os filmes que podem ser vistos enquanto se come. Pessoalmente, acho que é para a freguesia não notar a mediocridade da comida, mas não levem minha opinião muito a sério: eu implico com o lugar, cujas macarronadas pretensiosas não me parecem valer os altos preços cobrados.
Caro por caro, fico com o Le Madri (esquina de Sétima Avenida com Rua 18), um daqueles pouquíssimos restaurantes italianos onde se pode saborear a refinada cozinha toscana. Se estiver sonhando com sabores do mar, vou para o Pesce Pasta, baratinho, na Bleecker Street, entre Sexta e Sétima Avenidas.
Paladares exóticos tem o bairro chinês – Chinatown – inteiro para escolher. Do mais fuleiro ao mais metido a besta, todos os restaurantes dali oferecem o brunch em sua versão asiática, o dim sum.
Vietnamita, existe o Tam, na esquina de Houson Street com West Broadway. A versão indiana, baratíssima, pode ser experimentada ao longo de toda a Rua 8, nos dois quarteirões entre a Primeira e a Terceira Avenida; mas é para os chegados a temperos fortes e donos de entranhas hercúleas.
Alguns hotéis, como o Plaza, também aderem à comilança dominical – ainda que o clima (e, naturalmente, a conta) seja bastante mais engomado do que de seus parentes de boca de rua. Aqueles a quem dá prazer ouvir português e dar de cara com brasileiros devem optar pelo I Ter Merli (463, West Broadway), um restaurante do SoHo muito favorecido por paulistas abonados ou bem-armados em Brasília.
Para comida americana leve, com sabor de fazenda new age (truta no vapor, arroz selvagem, molho de amoras, torta de queijo ou chocolate duplo), uma boa opção é o Grange Hall (50, Commerce Street).
Por mim, eu brunchava todo domingo no Lola. A comida, um verdadeiro festival de colesterol (ovos, temperos, frituras), tem paladar caribenho/espanhol/ africano que faz muito mais sentido do que parece, assim escrito. O que me encanta ali, entretanto, não é apenas o delírio de minhas papilas gustativas.
Elas são bem-tratadas, claro. Contudo, quando estão em plena celebração, lá pelas tantas, ouve-se uma poderosa voz negra, e, sacudindo os braços para o céu, entra uma fabulosa cantora (bonitona, além do mais) chamada Deborah Wilson, que enche o salão com canções gospel.
Não sei que mágica ela faz. Só sei que, em pouco tempo, este restaurante da Rua 22, entre Quinta e Sexta Avenidas, vira algo como um templo, onde todos cantam juntos a alegria de viver, de estar juntos, de partilhar.
Não era justamente isso que os Goldman, os Dolinski, os Steinhauser e os Kivowitz também faziam?