Causos Políticos

Gilberto Mestrinho e o inacreditável Bola Sete

Postado por Simão Pessoa

Junho de 1982. Candidato ao governo pela segunda vez, Gilberto Mestrinho está chegando a Novo Airão para fazer mais um comício arrebatador.

Enquanto o barco ancora no pequeno porto na margem direita do rio Negro, por volta das seis horas da tarde, o candidato relaxa no tombadilho, participando de uma rodinha de piadas com seus assessores mais próximos.

Uma das piadas é tão engraçada, que Gilberto, ao gargalhar, expele, sem querer, a perereca, que faz um voo curto, suficiente apenas para ultrapassar a amurada do barco e despencar nas águas negras do rio, próximo ao casco da embarcação.

Seria um retrato amazônico do mais famoso haicai de Matsuo Bashô (“o pulo da rã”) se não fosse pelo constrangimento geral.

Sem dar uma palavra, Gilberto recolhe-se ao seu camarote enquanto os assessores discutem o que fazer para contornar o acidente.

Gregório Dias desce do barco, examina o local onde a perereca caiu, aí chama uns sujeitos que estavam observando a cena do barranco, explica o que aconteceu e faz a sua oferta:

– Pago 10 mil cruzeiros para quem mergulhar ali e trazer a perereca de volta!

Os sujeitos nem se mexeram. Para se ter uma ideia da oferta, o salário mínimo, na época, valia Cr$ 16.608,00.

– Ô quê que tá havendo com vocês? Taqui os 10 mil cruzeiros! – Gregório puxou a carteira e retirou um pacote de cédulas novinhas em folha. – É só mergulhar e trazer a bicha de volta, pra embolsar a grana…

Os sujeitos continuaram impassíveis.

Gregório resolveu aumentar a oferta.

– Tudo bem, eu dou 20 mil cruzeiros para quem localizar a perereca… – e abriu a carteira, retirando um segundo pacote de cédulas, tão novinhas quanto as primeiras.

Foi quando um dos cabocos resolveu falar:

– Olha, seu minino, além de aí ser muito fundo, tem muitas feras. É cardume de candiru, piranha-preta, piranha-vermelha, pirara, piraíba, mandií e arraia feito o cão. Além do mais, tá ficando escuro, que é quando as feras gostam de atacar. O único cara que tem peito de mergulhar no rio desse jeito é o Bola Sete, e ele não está aqui…

– Pois então vão buscar o sujeito, que, além da grana, eu ainda pago duas garrafas de cachaça pra cada um de vocês – garantiu Gregório.

Dali a dez minutos, os sujeitos reaparecem conduzindo o Bola Sete, um crioulão de dois metros de altura e 120 quilos bem distribuídos pelo corpo de halterofilista.

O fole do negão era capaz de absorver todo o oxigênio existente no entorno da cidade. Os olhos vermelhos indicavam que ele gostava de carburar um dirijo.

Gregório explicou o problema. O sujeito subiu no barco, examinou detidamente o local apontado, mediu a velocidade do vento, aí, saltou de barriga no referido ponto, espalhado água que nem uma baleia azul.

Passou três minutos no fundo do rio e depois emergiu, esbaforido, pálido como um defunto, mas com as mãos vazias.

Sem se dar por vencido, ele subiu no barco, encheu novamente os pulmões de ar e voltou a mergulhar estrepitosamente, no mesmo local.

Emergiu três minutos depois, ainda com as mãos vazias.

Bola Sete repetiu a façanha por mais cinco vezes, sem resultado.

Gregório e os demais assessores do professor começaram a ficar nervosos.

Para incentivar o mergulhador, o secretário particular do boto, Luiz Costa, dobrou a oferta:

– Escuta aqui, ô Bola Sete! Em vez de 20, eu vou te pagar 50 mil cruzeiros para encontrar o “produto”. Mas, porra, vê se tu se esforça um pouco mais, hein?…

Os olhos vermelhos de Bola Sete ficaram acesos como dois faróis de milha.

O negão subiu no barco, encheu novamente os pulmões de ar e voltou a mergulhar com uma coragem suicida.

Dessa vez ele permaneceu embaixo d’água por quase cinco minutos.

Quando emergiu, trazia numa das mãos a perereca. Os assessores vibraram de contentamento.

Enquanto Gregório levava a preciosa carga recuperada para ser esterilizada e devolvida ao dono original, Luiz Costa pagava os 50 mil cruzeiros ao mergulhador e o resto dos assessores ia pegar as garrafas de uísque, para comemorar. O comício estava salvo.

Cinco minutos depois, Gregório sai do camarote do boto completamente lívido, sem esconder a decepção.

A perereca era muito grande, não tinha entrado na boca do ex-governador.

O comício estava inapelavelmente adiado e a ordem era retornar imediatamente para Manaus.

Conclusão: vendo que não ia encontrar mesmo a cremalheira do professor, Bola Sete optou por entregar a própria perereca em holocausto e, como estava muito escuro, os assessores não perceberam o truque.

Também, pudera. Com 50 mil cruzeiros, Bola Sete compraria dez pererecas iguais àquela.

De besta, os cabocos amazonenses só têm a fama.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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