Causos Políticos

Jarbas Passarinho e o impertinente alcaide de Anamã

O ex-ministro, ex-senador e ex-governador do Pará Jarbas Passarinho morreu na manhã do dia 5 de junho de 2016, aos 96 anos, em Brasília
Postado por Simão Pessoa

Abril de 1991. O deputado federal Ézio Ferreira resolve fazer um “jantar amazônico” em Manaus para o então ministro da Justiça, coronel Jarbas Passarinho, e convida vários correligionários para abrilhantarem o evento.

O jantar seria uma espécie de desagravo a Jarbas Passarinho, por conta de algumas matérias que haviam saído na mídia nacional dando conta de que ele estava se articulando nos quartéis para ser o sucessor de Fernando Collor.

O ministro andava tiririca com as notícias (infundadas, diga-se de passagem) e já havia feito mil desmentidos. O mal-estar entre os demais ministros do governo Collor, entretanto, continuava. Pesava sobre Passarinho a pecha de ter sido um dos articuladores do golpe militar de 64 (outra bobagem).

Na data combinada, a mansão do deputado estava botando gente pelo ladrão, com a presença ostensiva de vários prefeitos do interior. Ninguém seria louco de perder uma boca-livre do Ézio, com tartarugada regional e uísque 12 anos dando no meio da canela.

Entre os convidados estava o prefeito de Anamã, João Pinheiro Costa, que bastava ouvir falar na palavra “convênio” para seus olhos brilharem em forma de cifrões.

Homem de poucas luzes, João Pinheiro estava na festa interessado apenas em “sangrar” o ministro e encher a cara.

Assim que o ilustre convidado adentrou no recinto, o prefeito, já meio alto, aproximou-se como quem não quer nada e resolveu puxar conversa:

– Quer dizê entonces que Vossa Excelença quer ser o novo presidente do Brasil?

Ex-ministro de três dos cinco governos militares, ex-governador do Pará, ex-senador e coronel da reserva do Exército, Jarbas Passarinho sempre foi um homem cordato, mas dessa vez perdeu as estribeiras:

– Onde foi que o senhor soube dessa infâmia? – vociferou.

– Foi num jorná que chegô no meu municipo…

– Pois se o senhor tivesse tido o cuidado de ler com atenção, veria que nesse mesmo jornal eu fiz um desmentido a respeito! – disparou o ministro, sem disfarçar a irritação.

– Num vi não, Excelença! – explicou o prefeito. – É que só leio jorná quando compro sabão em barra, porque o jorná já vem enrolado nele. Dessa vez só tinha a página dando que Vossa Excelença era candidato. Num tinha seu dismintido não…

O ministro começou a achar que o prefeito estava tirando sarro dele e a raiva foi se transformando em ódio.

Passarinho fechou a cara e foi se sentar ao lado de Ézio Ferreira, na pérgula da piscina. O prefeito foi atrás.

– Mas sim, ministro, e cumé qui fica os convênio? – insistiu.

Passarinho fez que não ouviu. Ézio entrou em pânico. Chamando o prefeito de Iranduba, Zé Maria Muniz, num canto, ele abriu o coração:

– Porra, Zé, esse sacana do Pinheiro está deixando o ministro nervoso. Dá um jeito de tirar ele de lá, senão isso vai acabar em merda. Eu conheço o temperamento do ministro…

Zé Maria entrou na mansão, que tinha mais de seis linhas telefônicas, chamou uma empregada de confiança da casa, Madalena, e explicou o que era pra ser feito.

Dali a cinco minutos, soa um telefone na antessala. Zé Maria atende e, com aquele vozeirão, berra para o prefeito:

– Ô Pinheiro, esse telefone é pra você. É do Banco do Brasil, querendo resolver o negócio de um convênio…

Ouvindo a palavra mágica, o prefeito de Anamã saiu em disparada, em direção ao telefone, quase derrubando um garçom na piscina.

– A ligação está meio ruim – adiantou Muniz.

– Alô, alô, aqui quem fala é João Pinheiro Costa, prefeito de Anamã – berrou ele, com a voz embargada de emoção, se sentando ao lado da pequena mesa de centro onde repousava o aparelho.

– Aqui quem fala é a Madalena, secretária do Dr. Lafayette Coutinho, presidente do Banco do Brasil. Um momento que vou transferir a ligação pra ele – e… vapt, a empregada desligou o telefone.

Pinheiro entrou em desespero:

– Porra, Zé, a ligação caiu! A ligação caiu! O quê qui eu faço? O quê qui eu faço? Porra, Zé, era um convênio! Era um convênio!

– Fica sentado aí, que eles vão ligar de novo – explicou Muniz.

Dito e feito. Cinco minutos depois, toca o telefone. Pinheiro atende. Madalena se identifica, reclama da Embratel e… vapt, desliga o telefone. Nova sessão de desespero.

Precavido, Muniz arranjou uma garrafa de uísque, um balde de gelo e deixou o prefeito ali, a noite toda, pajeando o telefone, que tocava a cada 15 minutos e teimava em deixar a ligação cair.

Pinheiro deixou a mansão de madrugada, morto de porre e reclamando que “os telefones do Ézio eram uma merda”.

O deputado, claro, deu uma bela gorjeta à prestativa Madalena.

Se não fosse ela, a noite de Jarbas Passarinho teria virado um inferno.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment