Caxuxa Blues

O gafanhoto do Louro do Pezão

Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

Abril de 1971. O velho Nagib Bader estava sonhando com os anjos em sua residência, na Rua General Glicério, na Cachoeirinha, quando ouviu alguém batendo na porta da casa com violência. Devia ser perto de meia noite. Ele estranhou aquela visita em horário tão inoportuno, mas ainda assim resolveu abrir a porta para ver do que se tratava.

Era o malandríssimo Raimundo Ribeiro da Silva (aka “Lobo”, hoje dono da boate Remulo’s e de dezenas de casas de strip-tease), na época um sujeito muito bom na arte da sinuca e que dela fazia seu ganha-pão.

– Seu Nagib, eu preciso falar urgente com o meu compadre. Ele está aí?…

O compadre de Lobo era Marco Aurélio, um dos filhos do seu Nagib, outro sujeito também muito talentoso na sinuca e conhecido nas rodas de malandragem como “Louro do Pezão”.

O velho foi acordar o filho. Ainda meio sonolento, Marco Aurélio, com a mão esquerda enfaixada, foi conversar com Lobo.

– Meu compadre, pegue seus tacos de sinuca que nós vamos ali no lupanar “Rosa de Maio”, onde o dinheiro está caindo no chão. O nosso trabalho vai ser só ajuntar… – avisou Lobo.

– Porra, Lobo, amanhã eu tenho um jogo pelo América e preciso ir para a concentração daqui a pouco – devolveu Marco Aurélio. – Se eu chegar na concentração atrasado, o técnico Amadeu Teixeira me capa. Além disso, ontem eu acertei sem querer uma martelada no dedo e não estou podendo nem abrir direito a mão esquerda.

– Pare com isso, meu compadre! O dinheiro está caindo no chão, nós só vamos ter o trabalho de ajuntar. Se eu tivesse grana, já estaria lá fazendo a feira. Ocorre que estou liso! Quero que você me empreste um pouco de dinheiro e me leve lá no lupanar, que vou te devolver a mixaria com juros e correção monetária.

Diante da insistência de seu compadre, Marco Aurélio acabou pegando seu velho fusquinha, os tacos de sinuca, embarcou Lobo no veículo e se mandou para o puteiro mais badalado da cidade. No caminho, Lobo foi lhe contando o que havia acontecido.

Segundo ele, o conhecido punguista Abacate, morador da Vila Mamão, havia feito um roubo milionário na Casa 22 Paulista e surrupiado 200 sapatos Motinha, que era o sonho de consumo da molecada. Abacate já havia vendido todos os sapatos e estava com a grana da transação no bolso, jogando sinuca a dinheiro no “Rosa de Maio”.

Quando chegaram ao lupanar, Marco Aurélio emprestou uma boa soma de dinheiro ao seu compadre, lhe deu o melhor taco da maleta e ficou dormindo dentro do carro. Lobo foi jogar sinuca com Abacate.

Três horas depois, Lobo estava batendo no vidro da janela do fusquinha:

– Compadre, compadre, me empreste mais dinheiro que o homem me alisou…

Ainda meio sonolento, Marco Aurélio limitou-se a ironizar:

– Mas, porra, compadre, não era só ajuntar o dinheiro do chão?… Agora quem ficou liso fui eu…

Os dois entraram no puteiro para ver se havia algum conhecido que lhes emprestasse uma grana para Marco Aurélio, mesmo avariado, apostar contra Abacate.

Perto do salão de sinuca, Abacate descansava placidamente em uma cadeira de balanço, com duas prostitutas sentadas em seu colo e dois engraxates agachados aos seus pés, cada um deles dando o brilho num dos seus sapatos Motinha.

– Êi, Lobo, sabe quem é que tá pagando essa mordomia toda? É você, meu amigo… É você meu amigo! – zombava Abacate.

Aí, enfiava um dos dedos na xereca de uma das prostitutas, levava o nariz e dizia:

– Essa aqui está usando perfume Bond Street de Yardley of London pago pelo Lobo…

Depois, repetia a operação com a outra garota.

– Essa aqui está usando perfume Calandre de Paco Rabanne pago pelo Lobo…

Mais lisos do que lombo de pão doce, os dois compadres abandonaram o puteiro cuspindo fogo.

Em vez de voltar para a Cachoeirinha, Marco Aurélio foi para o bairro de São Raimundo. Parou em frente de uma casa de madeira e começou a bater na porta com violência. Um sujeito, ainda meio sonolento, abriu a porta.

Era José Ramos (aka “Pixuí”), um gafanhoto que o grande mestre estava treinando para transforma-lo em um dos mais hábeis jogadores de sinuca do bairro.

Marco Aurélio contou o que acontecera. Pixuí pediu um tempo para escovar os dentes e trocar de roupa. Uma hora depois, os três estavam de volta ao “Rosa de Maio”. Nem sinal do Abacate.

Um dos garçons informou que ele havia saído com as duas prostitutas para continuar a farra em Educandos. Os três se mandaram para Educandos e passaram em revista todos os bares que possuíam mesa de sinuca.

Foram encontrar Abacate, morto de bêbado e ainda com as duas prostitutas no colo, no Brasília Bar, do comerciante Zé Félix.

Assim que avistou Lobo, Abacate foi logo perguntando:

– Veio me trazer mais dinheiro, meu pato? Entre e fique à vontade…

Lobo fez que não escutou. Marco Aurélio ficou na dele. Marrento toda vida, Pixuí dispensou os tacos da maleta do grande mestre e simplesmente pegou um dos tacos existentes na parede do boteco.

Aí, depois de apostar uma grana preta com Abacate, começou a comer pelas beiradas o famoso punguista da Vila Mamão. Abacatada com gosto de pato.

Duas horas depois, ele havia recuperado o dinheiro de Marco Aurélio e embolsado todo o dinheiro que o Abacate havia apurado com a venda dos 200 sapatos Motinha. Malandro é malandro e mané é mané.

Os três deixaram o bar do Zé Félix de alma lavada enquanto Abacate permanecia em surto cataléptico, sem saber direito o que havia acontecido.

Marco Aurélio chegou à concentração do América, localizada na Rua Silva Ramos, no Alto do Nazaré, por volta das 7h da manhã. Quase foi capado pelo irascível treinador Amadeu Teixeira, que achava que seu melhor jogador havia passado a noite na gandaia.

O gafanhoto do Louro do Pezão também era foda!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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