Club dos Terríveis

Porque virei editor de revista masculina

Mais um capítulo da autobiografia não-autorizada “O melhor emprego do mundo” do multimídia Edson Aran
Postado por Simão Pessoa

Por Edson Aran

Resumo do capítulo anterior: no início dos tempos, a “Sexy” traz apenas entrevistas apimentadas com o jet set. Mas as famosas vão embora a jato e a publicação se reinventa. (Ainda não leu o o capítulo anterior?… Então, clique aqui)

Entrei na “Sexy” no final dos anos 90, quando a revista já tinha abandonado as entrevistas eróticas com celebridades. Dali iria para a “V.I.P.” e, depois, “Playboy”. Poucos jornalistas brasileiros podem se orgulhar de terem trabalhado nas três maiores revistas masculinas do país.

Sorte deles.

Assim eles não precisam fugir dos aldeões com tochas e ancinhos. “Protejam a vila em nome do Edir Macedo e da Betty Friedan!”

Mas antes de seguir com a história da “Sexy”, tenho que fazer um flashback.

Segundo o Google Tradutor, “flashback” é um “clarão para trás”. É um troço que interrompe a narrativa para trazer acontecimentos anteriores que iluminam certa faceta do personagem. Em roteiro, convém evitar. Numa autobiografia não-autorizada como esta, dane-se.

São dois os culpados que me afastaram do bom caminho: o Millôr e Ota. Malditos sejam!

O Millôr eu via na “Veja”, quando ainda era criança. Adorava aquela página dupla colorida e cheia de desenhos tortos. Eu não entendia, mas olhava aquilo embasbacado e pensava: “Alguém ganha pra fazer isso?! Ah, quero fazer isso também!”

Isso foi lá em Cássia, nos anos 70. Nasci em São Sebastião do Paraíso, mas cresci na cidade vizinha, antiga Santa Rita de Cássia. Sou cassiense e só minha certidão de nascimento pode provar o contrário. Meu pai, dono da única gráfica da cidade, tinha uma grande coleção de “Tio Patinhas” e “Almanaque Disney”. Me alfabetizei com os patos do Carl Barks, mas logo me cansei dos bichos antropomórficos, sei lá por quê. Preferia quadrinho com gente. Fui pra “Mutt e Jeff”, “Hagar, o Horrível”, “O Mago de Id” e “Mortadelo e Salaminho”, que até hoje me faz gargalhar.

Em Cássia não tinha banca de jornal, então eu só ganhava quadrinho novo quando íamos até São Sebastião do Paraíso ou Franca. E, mesmo assim, a mesada era curta: dava para UMA revista só e olhe lá! Era preciso escolher. Jack Kirby da Ebal ou “O Mago de Id” da Artenova? Dúvidas, dúvidas. Felizmente, a biblioteca do meu pai era ampla. Mais crescidinho, acabei avançando pelos pocket books da Editora Monterrey com as lindas capas pintadas do Benício. Virei fã da Brigitte Montfort, a letal agente “Baby” da CIA.

Quando cheguei à “Playboy”, fiz questão de levar o Benício de volta à publicação. Assinei até o texto de uma exposição dele, no Rio, organizada pela Bebel Abreu, que hoje toca a criativa Bebel Books. Tenho, inclusive, dois originais do Benício na parede. Ambos com a Brigitte Montfort, claro.

Mas estou me adiantando. Rewind.

Naquele tempo, ainda criança, eu só queria rabiscar e escrever, escrever e rabiscar. Enchia cadernos e mais cadernos de histórias em quadrinhos com meus personagens. O principal deles era o “Mosquito Verde”, um super-herói atrapalhado. Eu fazia essas HQs, mas nunca pensei em vendê-las, o que já revelava uma total incompetência para rentabilizar minhas criações.

O que eu queria era fazer humor. É gozado isso. Nunca fui o cara mais engraçado da turma e conto piada muito mal. Mas gosto de humor. Sempre gostei. Algumas pessoas nascem com essa deficiência genética, uma desvantagem evolutiva que não serve para nada. O drama paga melhor e a tragédia rende prêmios. Humor não. A gente lê o Machado de Assis e se mete a escrever tese: “É melancólico, depressivo, sorumbático e macambúzio”. E esquece propositalmente a característica principal: Machado é engraçado. Mas é melhor não tocar no assunto.

Toda grande obra contém humor, mas ele precisa ser periférico e não a atração principal. Quando toma o palco, a graça é cercada por uma gente desgraçada que insiste em amordaçá-la.

Assim não pode!

Assim não dá!

Cadê o limite?

CADÊ O LI-MI-TE?!

Alguém pergunta “qual é o limite do drama”?

Alguém se atreve a regulamentar a poesia?

Alguém advoga tapão na cara de romancista?

Se bem que, do jeito que a coisa vai, é melhor não dar ideias. O Salman Rushdie já perdeu um olho por muito menos.

“Peguem as tochas e os ancinhos, aldeões! Protejam a vila em nome de Alá e da Judith Butler!”

Mas eu falei do Millôr lá no começo e ainda não mencionei o Ota, o criador do “Relatório Ota”, de “Vavá, o Ceguinho” e de “Dom Ináfio”. Além de fazer tudo isso, o Otacílio d’Assunção Barros foi um dos grandes editores de quadrinhos da Vecchi. Muita coisa boa só foi publicada no Brasil por insistência dele. E era ele o editor da publicação que mudou minha maneira de ver o mundo, me transformando para sempre num bufão inconsequente e subversivo: a revista “MAD”.

(Continua…)

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Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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