Por Simão Pessoa
Em março de 1954, um grupo de congregados marianos da Igreja de Santa Rita, na Cachoeirinha, em comum acordo com diversas moças “filhas de Maria”, resolveu organizar uma quadrilha para se exibir durante a quermesse da própria igreja.
A iniciativa de Gentil Queiroz Bessa recebeu imediatamente o apoio do Frei Vareliano, o pároco da igreja.
Nascido em Manaus, no dia 16 de fevereiro de 1936, Gentil Queiroz Bessa era filho de pais nordestinos, Sr. Raymundo Bessa Junior, natural de Pau dos Ferros (RN), e Sra. Marcionília Queiroz Bessa, nascida em Limoeiro do Norte (CE).
Ele nasceu e foi criado na Rua Frei José dos Inocentes, no Centro de Manaus, mas depois, já na adolescência, sua família se mudou para a Rua Itacoatiara, na Cachoeirinha.
Na época, um jovem guapo de 18 anos, Gentil Bessa havia tomado conhecimento do cangaço por meio da literatura de cordel que seus primos nordestinos enviavam para ele.
A literatura de cordel é uma das maiores manifestações populares nordestinas que se tem conhecimento, cuja principal função é passar informações acerca da cultura por meio de poemas estruturados em folhetos que são pequenos livros que ficam pendurados em barbantes ou cordas.
Segundo vários pesquisadores, a literatura de cordel tem papel preponderante de traduzir com riqueza e grande expressividade a história do cangaço de Lampião e outros que fizeram parte do movimento.
Mesmo que exalte muitas vezes os protagonistas e não sendo fiel à realidade, o cordel chama a atenção do leitor por se apresentar de forma simples e numa linguagem informal.
Nesse sentido, a representação do cangaço na literatura cordelista surge como uma narrativa que reforça a ficção e expressa sentimentos, informações e cultura de um povo.
Sendo assim, a representatividade do cangaço no cordel mostra a percepção da situação real de violência e banditismo no nordeste brasileiro, além de evocar o humor na apresentação.
Percebe-se que a história do cangaço, principalmente a de Lampião, vem contribuir na literatura de cordel como resgate da cultura popular.
Fugindo do “rame-rame” das quadrilhas caipiras tradicionais, Gentil Bessa resolveu criar uma quadrilha inspirada nos cangaceiros, que denominou de dança nordestina.
Nascia a primeira quadrilha de “cabras da peste” da cidade, a famosa Primo do Cangaceiro, fundada oficialmente no dia 13 de junho de 1954, quando se apresentou pela primeira vez.
No papel de marcador, Gentil Bessa era o próprio Lampião, enquanto Zacarias Teixeira, no papel de Capitão Galdino, era o “primo do cangaceiro”.
A história tinha o seguinte enredo: o Capitão Galdino e sua namorada, acompanhada de Lampião e seus cangaceiros, invadia um povoado e fazia uma festança para comemorar o casamento “na marra” de um casal de matutos.
A quadrilha passou a fazer seus ensaios na Rua Carvalho Leal, na casa do Aguinaldo Maciel, onde funcionava o diretório do PTB da Cachoeirinha, nas proximidades da Casa Amarela.
Entre os brincantes pioneiros estavam Humberto Severino (que depois criou a quadrilha “Os Seringueiros”), Ilsa, Líbia, Baixinho (que era o “noivo”), Domingos, João de Deus, Zé da Burra, Paulo Lourenço, Pedro Manchete, Zé Buchinho, Boca de Ouro e Cachoeirinha (mestre capoeirista e pai da assistente social Irinéia Vieira, uma das fundadoras do PSOL no Amazonas).
Encarnando o personagem Padre Cícero, João de Deus era tão convincente na sua caracterização que muitas vezes, ao pegar o ônibus, ouvia os passageiros falarem respeitosamente “pode sentar, padre!”, “pode passar, padre!”, “padre, não precisa pagar a sua passagem não, que eu já paguei!”, etc.
Além de criar a coreografia, as fantasias e marcar o ritmo e os passos, Gentil Bessa começava os ensaios dando um alerta geral:
– Atenção, pessoá! Aqui não tem esse negócio de “anarriê” ou “como sevá”! Aqui é tudo na base da língua portuguesa falada no nordeste! Vamo prestá atenção no serviço, meu bichim! Arre égua, cabra da peste, bora xaxar no úrtimo, que quem fica parado é poste!
No 1º Festival Folclórico do Amazonas, em 1957, a quadrilha Primo do Cangaceiro tinha os seguintes brincantes: Gentil Bessa, Zacarias Teixeira, Iêda Costa, José Inácio Pereira, Marlene Costa, Antônio Ribeiro, Verônica Marques, Hamilton Alves, Humbertina Queiroz, Humberto Rodrigues, Maria Pompéia Lacerda, Umbelino Paiva, Jurandira Firmino, Walter Tavares, Maria do Carmo, Carlos Belini, Olga Vieira, Estevão Lossa, Janeth Castro, Waldir Barbosa, Rosa Ramos, Tereza Barreto, James Dantas, José Oliveira, Fátima Guimarães, José Ribeiro, Maria Dulce, Claudionor Silva, Elizabeth Miranda, Paulo Nóvoa, Francisca Alves, Romualdo Pereira, Darcy Pereira, Florismar Carneiro, Maria de Nazaré, Aquiles Barros (futuro apresentador do “Som Pop”, na TV Educativa), Maria Clarice, Artur Moreira, Carmem Guimarães, José Rodrigues, Nilse Cabral, Raimundo Lauriano, Maria Urbina, Raimundo Dantas, Itelvina Mesquita, Maria Sicléia, Armando Pereira, Raimundo Nonato, Lourdes Dantas, José Virgílio, Oswaldina Almeida, Walter Bahia, Terezinha Ferreira, Pedro Bentes e Terezinha de Jesus Souza.
Naquele ano, a quadrilha ficou em um decepcionante terceiro lugar.
No ano seguinte, Gentil Bessa resolveu “causar”: no dia da sua apresentação, a quadrilha desfilou pelas ruas da Cachoeirinha com os cangaceiros montados em cavalos de verdade, comboiando as carroças de tração animal ornamentadas com fitas coloridas, aonde iam as belíssimas cangaceiras, e de lá se dirigiu até o local de apresentação no Estádio General Osório.
Os cangaceiros deram uma parada estratégica na Praça São Sebastião, em frente ao Bar do Armando, até a reunião do bando.
Com a galera reunida, marcharam olimpicamente até o local de apresentação, sob uma chuva de morteiros Caramuru, aquele que não dá xabu.
A novidade conquistou a multidão que se acotovelava no entorno do tablado do Estádio General Osório.
O belíssimo visual dos brincantes, a coreografia impecável dos dançarinos e o trio sanfona-zabumba-triângulo tocando ao vivo baião, forró e xotes de tirar o fôlego proporcionaram uma magnífica apresentação e a quadrilha Primo do Cangaceiro conquistou o seu primeiro título, dando início a um festejadíssimo tricampeonato (1959, 1960 e 1961).
Fico alegre e ao mesmo tempo surpreso com essa história q não conhecia,quando criança ficava entusiasmados com aquelas danças do cangaço q se apresentavam na Praça General Osório.
Quem não lê Simão Pessoa, perde boa parte da história de Manaus. Além do humor…