Folclore Nativo

Malhação de Judas, uma tradição quase extinta

Tradição secular chegou ao Brasil por influência de portugueses e espanhóis
Postado por Simão Pessoa

Por Eduarda Hillebrandt

A malhação de Judas é uma tradição popular ligada aos ritos da Páscoa cristã e amplamente difundida em diversos países, principalmente na América Latina e na Europa. No rito secular, comunidades se unem para confeccionar, pendurar em postes e queimar bonecos em alusão a figura bíblica de Judas Iscariotes.

No Brasil, o rito acontece entre a madrugada da Sexta-Feira Santa e a manhã de Sábado de Aleluia. Já em Portugal, o boneco é malhado na passagem do Sábado de Aleluia para o Domingo de Páscoa. Embora a malhação seja um dos ritos da Paixão de Cristo reencenados por fiéis, não faz parte da liturgia católica.

Segundo a Bíblia, Judas Iscariotes foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. O discípulo teria traído Jesus ao entregá-lo para a crucificação em Jerusalém em troca de pagamento. O relato bíblico é de que Judas entrou em desespero: “E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar” (Mateus, 27:5).

O pintor francês Jean Baptiste Debret retratou a tradição em 1823

A tradição da malhação de Judas chegou ao Brasil por influência da Península Ibérica e foi incorporada ainda na época colonial. A tradição foi, inclusive, pintada por Jean-Baptiste Debret, em 1823, e retratada na peça O Judas em Sábado de Aleluia do escritor Martins Pena, em 1840.

Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, os bonecos eram feitos de palha ou panos e queimados entre sexta e o Sábado de Aleluia, em uma prática que foi alvo de repressão e acabou afastado para as periferias.

Embora correndo o risco de desaparecer, a malhação de Judas consiste em surrar um boneco do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos ou jornal, pelas ruas de um bairro e atear fogo a ele, normalmente ao meio-dia.

Nas cidades do nordeste ainda é uma tradição bastante viva, onde as comunidades realizam belíssimas festas. Depois da leitura do testamento do infeliz, que geralmente são bonecos representando políticos ou figuras da comunidade, o boneco é surrado e depois queimado.

Uma pesquisa da antropóloga Andreia Regina Moura Mendes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), identificou que a tradição tem diferentes significados na cultura brasileira, para além da referência ao discípulo traidor.

Nesse sentido, Judas pode ser representação do mal ou de alguma figura odiada na comunidade, como em locais em que o boneco recebe um “testamento” — ou até placas em referência a políticos, por exemplo.

No Brasil, especificamente, haveria influência de uma prática da Inquisição portuguesa na qual a figura de um condenado era pendurada e queimada antes da pena de morte.

Embora no Brasil não haja associação com antissemitismo, segundo o estudo da UFRN, há países em que o rito faz referência ao povo judaico. O jornal The Washington Post noticiou, em 2019, um ritual na Polônia em que a efígie de Judas tinha elementos característicos de judeus ortodoxos – ação fortemente repudiada pelo Congresso Judaico Mundial.

Em cidades gregas, a queima de Judas atrai milhares de moradores e turistas. Em partes do país, segundo o jornal The Times of Israel, a tradição é referenciada como “Queima do Judeu” e carrega elementos ofensivos ao grupo. Por isso, a prática é condenada pelo povo judaico: “Grupos judaicos afirmam que a prática encoraja a crença de que judeus mataram Jesus, uma das fontes do antissemitismo”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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