Folclore Nativo

Fuá sem canjica na Dança do Milho Verde

As africanas escravizadas ensinaram os brasileiros a pilar milho
Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

Artefato primitivo de origem remota, o pilão de madeira, na época do Brasil-Colônia, já era utilizado na agricultura para socar alguns alimentos, tais como o milho e o café.

Para sua confecção, utilizavam-se troncos de madeiras duras – como a maçaranduba, peroba, canela preta, guatambu e limoeiro – que eram escavados com fogo e sua haste (denominada mão de pilão) era feita com um pedaço aparelhado dessas madeiras. A altura de um pilão variava entre 30 e 70 cm e uma haste media de 60 cm a 1,2 m.

A Dança do Pilão mostrava homens e mulheres executando a tarefa de quebrar o milho com pilão para fazer fubá, com os homens socando o pilão e as mulheres peneirando o fubá.

A música que acompanhava a coreografia era um velho e malicioso sucesso de Luiz Gonzaga:

Pisa no pilão, tum, oi!
Pisa no pilão, tá
(Pisa no pilão, tum, oi!)
(Pisa no pilão, tá)

Pisa no pilão, meu bem
Pisa o milho pro xerém, pra fazer fubá
Oi, pisa no pilão, cabocla
Quero ver dentro da roupa tu sacolejar

Tum, tum, tum, tum
Joga as ancas pra frente e pra trás
Tum, tum, tum, tum
Finca a mão no pilão, bate mais

Se janeiro é mês de chuva, fevereiro é pra plantar
Em março o milho cresce, em abril vai pendurar
Em maio tá bonecando, no São João tá bom de assar
Mas em julho o milho tá seco, é tempo, morena, da gente pilar

Pisa no pilão, tum, oi!
Pisa no pilão, tá
(Pisa no pilão, tum, oi!)
(Pisa no pilão, tá)
No meu tempo de menino, nas fazendas do sertão
Eu gostava de espiar as caboca no pilão
Sacudindo a formosura, dando murro como buquê
Duas negas no meio do sol
Batendo caçula dá muito o que ver

Pisa no pilão, tum, oi!
Pisa no pilão, tá
(Pisa no pilão, tum, oi!)
(Pisa no pilão, tá)

A Dança do Pilão foi apresentada no Festival Folclórico do Amazonas, pela primeira vez, em 1969, pelos brincantes da Colônia Oliveira Machado.

A brincadeira era comandada por Getúlio Lucena e era ensaiada na sede do São Jorge FC, no mesmo bairro.

Na metade dos anos 70, alguns pagodeiros do Morro da Liberdade – Bosco Saraiva, Jairo Beira-mar, Gilsinho Poeta, Nicéas Magalhães, Jorge Halen Chocolate, Luizinho Sá, Calama e Ivan Oliveira, entre outros – se reuniam diariamente no meio da Rua Dr. Martins Santana e faziam uma roda de samba bem informal.

O problema é que o ritmo frenético dos surdos, tamborins e atabaques incomodava algumas pessoas.

Responsável pela Dança Regional Milho Verde (uma variante menos picante da Dança do Pilão), também na mesma rua, dona Sílvia era a mais incomodada de todas. Segundo ela, a percussão sincopada do pagode atrapalhava o ensaio da dança regional, que tinha uma levada mais nordestina à base de sanfona, zabumba e pandeiro.

Certo dia, mais braba do que de costume, dona Sílvia ligou para a Polícia de Choque denunciando os baderneiros.

Com o país sob a égide da ditadura militar, a Polícia de Choque era famosa por não ouvir desculpas: os meganhas desciam do caminhão já distribuindo porrada em quem estivesse por perto, até não restar ninguém de pé. Depois, eles contavam os mortos e feridos e iam embora.

Nesse dia, sabe-se lá por que, a moçada do pagode resolveu encerrar a roda de samba mais cedo do que de costume e foi se embriagar no Bar do Beto, ali perto.

Quando o caminhão da Polícia de Choque chegou ao local e ouviu somente a sanfona comendo no centro, os meganhas não tiveram dúvidas: os baderneiros eram aqueles ali.

Eles desceram rapidamente do caminhão e encheram de porrada os brincantes da Dança Regional Milho Verde. A carnificina foi tão violenta que dona Sílvia desmaiou.

Um dos coordenadores da dança era um sujeito baixinho, quase um anão de Velásquez, chamado Brau, que apesar do defeito físico (uma imensa corcunda de camelo) era uma das pessoas mais animadas do pedaço.

Quando começou a pancadaria, Brau saiu correndo por uma viela, mas foi avistado por um meganha.

Tentando se safar, Brau se escondeu atrás de um poste, meio de lado, na pontinha dos pés. O meganha sacou a arma e deu o ultimato:

– Sai de trás desse poste, porra, senão vou dar um tiro no meio da tua bunda!

Brau obedeceu. Quando viu que a “bunda”, na realidade, era a “corcova” do rapaz, o meganha não sabia onde se esconder, de tanto constrangimento.

Acabou mandando Brau ir pra casa e “não se meter mais com aquele bando de arruaceiros”.

Dona Sílvia nunca mais quis saber de chamar a polícia pra acabar com a roda de pagode da moçada. Choses.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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