Folclore Nativo

O surgimento da Dança Nordestina Cabras do Lampião

Postado por Simão Pessoa

Conforme se sabe, Gilberto Mestrinho foi introduzido na vida política amazonense pelas mãos de Plínio Coelho, que o indicou para assumir a prefeitura de Manaus em setembro de 1956 e, ao deixar a função, para ocupar o cargo de Secretário de Economia e Finanças no governo estadual.

O prefeito Gilberto Mestrinho tinha sido um apoiador de primeira hora do Festival Folclórico idealizado pelo jornalista Bianor Garcia e continuou a sê-lo depois que foi eleito governador do Estado, em 1958.

Em 1960, houve um rompimento entre o criador e a criatura. Gilberto Mestrinho havia nomeado Plinio Coelho para a Prefeitura de Manaus, mas depois o exonerou ao saber que na eleição presidencial daquele ano o ex-governador estava apoiando Jânio Quadros (UDN) enquanto o PTB nacional apoiava o Marechal Lott (PSD), candidato de Mestrinho.

Insuflados ou não por Gilberto Mestrinho, seus partidários aproveitaram a quizomba para empastelar o jornal “O Trabalhista”, ligado a Plinio Coelho.

Um dos editores do jornal era Gentil Bessa, na época com 24 anos, que teve que sair correndo da redação com uma máquina de escrever na cabeça, já que aquele era seu único e precioso instrumento de trabalho.

Por conta disso, Gentil Bessa reuniu os brincantes na casa do Aguinaldo Maciel e entregou definitivamente a quadrilha Primo do Cangaceiro aos cuidados de Zacarias Teixeira.

Foi um recuo estratégico tendo em conta que a maioria dos “padrinhos” da quadrilha (Artur Virgílio Filho, Justino Melo, Vivaldo Lima, etc.) era ligada a Gilberto Mestrinho.

Fiel a Plínio Coelho, Gentil Bessa preferiu sair do grupo que havia fundado para que a brincadeira não fosse interrompida por conta de possíveis retaliações políticas, já que o governador Gilberto Mestrinho havia se transformado no principal incentivador do Festival Folclórico do Amazonas e era quem liberava pessoalmente a ajuda financeira para as agremiações folclóricas.

Em 1961, Gentil Bessa fundaria a quadrilha Cabras do Lampião, na casa do tenente João Evangelista e de dona Nadir Carolina da Silva, pais do historiador Alvadir Assunção, localizada na Rua Waupés, entre a Codajás e a J. Carlos Antony, na Cachoeirinha.

Dona Nadir se transformou em madrinha da nova quadrilha formada apenas por “plinistas históricos”. No mesmo local, cerca de 15 anos depois, seria fundada a Quadrilha Caipira Juventude na Roça, ainda hoje uma das grandes glórias do bairro da Cachoeirinha.

Entre os fundadores da quadrilha Cabras do Lampião estavam Alvadir, Alvanir, Tibiriçá, Zé Nariz de Papagaio, Ofir Cabeça de Mapa, Boca de Ouro, Zé da Burra, Romualdo, Pedro Manchete, Lucindo, Louro, Zé Buchinho, Francisco Fotógrafo, Carlito Careca, Lúcio Morcego, as irmãs Torres (Neuza e Neire, a “Galega”, que foi a “Maria Bonita”), Moça, Nair e as bonecas vivas de São Raimundo (Fátima, Raquel e Suely).

Era um grupo interbairros, com brincantes de várias localidades da cidade, em um modelo pioneiro que depois seria adotado por diversos grupos folclóricos.

Sob o comando de Gentil Bessa, a quadrilha Cabras do Lampião também conquistou vários títulos no Festival Folclórico do Amazonas, sendo que em 1964 foi considerada a “primeira campeã absoluta do festival” por ter obtido uma pontuação superior à de todos os demais grupos folclóricos campeões de suas respectivas categorias.

O surgimento de novas quadrilhas inspiradas na saga dos cangaceiros (Nordeste Sangrento, Bando do Antônio Silvino, Cangaceiros da Chapada, Cangaceiros de Lampião, Bando do Severo Julião, etc.) obrigou a comissão julgadora do festival a instituir uma nova categoria chamada “Danças Nordestinas”, com os dois grupos da Cachoeirinha, Primo do Cangaceiro e Cabras do Lampião, praticamente se revezando, ano após ano, na conquista do título.

Nos anos 80, com o início da especulação imobiliária que praticamente desfigurou o bairro da Cachoeirinha, a quadrilha Primo do Cangaceiro se mudou para Educandos e, alguns anos depois, para São Raimundo.

Já a quadrilha Cabras do Lampião se mudou para São Francisco, depois para São José Operário, depois para o bairro da Raiz e hoje está na Comunidade da Sharp, no bairro Armando Mendes.

O atual coordenador do grupo, Pedro Vilhena, conta que o gosto pela dança já passou dele pros filhos, que se envolvem desde cedo no grupo – e até os netos pequenos já têm o ritmo do baião no pé.

– Essa já é a quinta ou sexta geração que leva essa cultura nordestina pra frente, dando continuidade ao trabalho dos Cabras do Lampião – conta Pedro.

Com o falecimento de Zacarias Teixeira, em 1998, os brincantes da campeoníssima Dança Nordestina Primo do Cangaceiro resolveram encerrar a brincadeira.

– Não fazia sentido continuar a quadrilha sem o nosso principal destaque, que era a própria alma da brincadeira – resume o aposentado Luiz Jorge, que brincou no grupo durante 40 anos.

Das três pioneiras danças nordestinas de Manaus, quem também continua na ativa até hoje é a Nordeste Sangrento, batizada com esse nome por conta de uma das músicas do cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga.

Com mais de 50 anos de existência, o grupo foi fundado em abril de 1964, no bairro da Raiz, e hoje está sediado no bairro do São José, na zona Leste.

Fundador e coordenador do grupo, Edil Lira já é “figurinha” carimbada nos festivais de Manaus, por cantar e soltar um vozeirão comparado ao do próprio Luiz Gonzaga.

– Temos nossas próprias letras, nosso hino, nossas músicas e, claro, muita influência do Gonzagão, com o xaxado raiz comendo no centro. Já tive até muita música lançada e copiada por outros grupos. Fazemos uma dança nordestina legítima, que representa a região com o som e o ritmo de lá – ressalta Edil Lira.

E quanto ao “inventor” da brincadeira?…

Bem, Gentil Bessa graduou-se em Magistério no Instituo de Educação do Amazonas em 1960. Ele exerceu a função de Administrador do Mercado Municipal em 1959 a 1962 e foi Prefeito da cidade fronteiriça de Estirão do Equador, atual distrito de Atalaia do Norte, no período 1963-1964.

Após o golpe militar de 1964, o novo governador Artur Cézar Ferreira Reis revogou a criação de 220 municípios efetuada pelos governos anteriores de Gilberto e Plínio, entre eles Estirão do Equador.

De 1965 a 1976, Gentil Bessa foi Exator de Rendas nas cidades de Atalaia do Norte, Boca do Acre, Urucará, Canutama e Codajás.

No ano seguinte, se transformou em Escrevente Juramentado do Tabelião Bessa, em Educandos, onde permaneceu até 2003, quando se aposentou.

Após sua aposentadoria, Gentil Bessa se mudou para a cidade de Codajás, onde era produtor de cupuaçu e açaí.

Ele faleceu no dia 24 de agosto de 2020. Tenho (temos) saudade.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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