Memória Viva

Arthur Virgílio Filho (Capítulos 17 e 18 – Final)

Almino Afonso, Arlindo Porto, Arthur Neto, Arthur Bisneto e Josué Neto durante o lançamento livro “Senador Arthur Virgílio Filho: Um visionário”, na Ufam
Postado por Simão Pessoa

Por Mário Adolfo

Ao lado do filho em todas as campanhas, o senador Arthur Virgílio Filho festejou algumas vitórias na trajetória de Arthur Neto (PSB) rumo à Câmara Federal. Mas amargou, com dignidade, a derrota na campanha do Muda Amazonas para o governo do estado, em 1986, com o próprio Arthur enfrentando Amazonino Mendes (ainda PMDB), que havia sido lançado pelo maior mito da política amazonense, Gilberto Mestrinho (PMDB).

Essa campanha foi lançada com a presença da atriz Maitê Proença, que veio a Manaus exclusivamente para apoiar Arthur Neto. Naquela noite, ao posar para uma fotografia ao lado do filho e da atriz, o senador piscou para o repórter e declarou, minutos depois numa conversa informal, que tinha plena certeza que a oposição, com seu filho na liderança, estava muito próximo de uma vitória histórica no Amazonas. Arthur perdeu a eleição, mas fez uma campanha corajosa, de fôlego, que colocaria seu nome para sempre na galeria dos maiores políticos da história do Amazonas.

Em 1988, já sem o pai, que havia falecido em 1987, Arthur Neto voltou ao palanque para disputar a prefeitura de Manaus pela coligação Muda Amazonas (PSB, PSDB, PCB, PCdoB, PH, PJ) enfrentando dessa vez o próprio mito, o ex-governador Gilberto Mestrinho, da coligação Aliança Democrática (PMDB, PDC, PFL, PTB), com o apoio do governador Amazonino Mendes (agora no PDC).

Foi uma campanha dura. Aos 42 anos, Neto enfrentava o mais experiente político do estado, que, aos 60 anos, já havia sido prefeito, governador por duas vezes e deputado federal, quando foi cassado na tomada de poder pelos militares. No dia da eleição, 15 de novembro, uma pesquisa de “boca de urna” da Rede Globo apontava um empate técnico entre os dois com uma diferença de dois pontos percentuais. O resultado mereceu o descrédito do governador e foi recebido como “acertado” por Arthur.

Antes de sair de casa para votar, Gilberto Mestrinho recorreu aos versos de seu poeta preferido, o inglês Rilke: “Não é o mais ágil, nem o mais sábio. O vencedor é aquele que acredita que pode vencer”.

Declamado o trecho da poesia, fez a observação para os jornalistas: “Tenso, eu? Não. Um dia de eleição para mim é como um dia de carnaval, de muita alegria. Nunca, em nenhum momento de minha vida política, passou pela minha cabeça algum sentimento de derrota!”

Já Arthur Neto, de jeans e tênis, apostou desde o início na vitória: “Se não houver um roubo brutal vai ser uma surra de votos, que ele [Gilberto] vai retornar ainda hoje para o Rio” – disse, referindo-se à residência do ex-governador em plagas cariocas.

No dia 17 de novembro de 1988, o Amazonas viveria um dia que entraria para a sua história. A manchete do jornal Amazonas em Tempo era “Mestrinho admite derrota”, onde o velho comandante considerava inviável uma virada diante da tendência favorável a Arthur Neto. “Perdi a batalha, mas não perdi a guerra”, declarou Mestrinho, confirmando que já estava candidato ao governo em 1990.

Aos 42 anos, como previra seu pai, Arthur Neto chegava ao poder pela vontade do povo de Manaus. Obteve 138.255 votos contra 109.388 dados ao candidato da Aliança Democrática.

– Eu só não faço um governo imortal, Manaus, se interesses escusos me matarem antes! – prometeu, chorando, o novo prefeito, para mais de 60 mil pessoas que foram ao seu comício de vitória, realizado na noite de 19 de novembro de 1988, na avenida Djalma Batista.

Foi talvez o mais grandioso comício da história política do Amazonas. Arthur chegou de surpresa, às 9h30, carregado pelo povo, que formou um imenso tapete humano numa das principais avenidas de Manaus. O prefeito eleito teve a sua camisa rasgada e era puxado para todos os lados por milhares de mãos.

Ao ser erguido para o palanque, formado por duas carretas, Arthur Neto estava emocionado. Principalmente quando o apresentador do comício, o ex-presidente da Uesa Francisco Sávio, pediu para a banda tocar Coração de estudante, de Milton Nascimento e Fernando Brandt, numa homenagem ao pai do novo prefeito, o senador Arthur Virgílio Filho, que tinha falecido havia um ano. De mãos dadas e erguidas com seus companheiros, Arthur chorou.

Em determinado momento, lembrou o estilo eloquente e ousado do pai, dizendo que sempre quis fazer política, desde os tempos estudantis. Por isso aprendeu a tomar decisões dignas que sempre correm riscos:

– Mas é isso que eu quero. Eu arrisco tudo. Eu nasci para arriscar o meu pescoço em defesa das minhas ideias – disse, lembrando o “velho Arthur”, que, no “protesto do guarda-chuva”, narrado no início deste livro, declarou que “podiam matar seu corpo, mas nunca suas ideias”.

Neto voltou a lembrar seu pai, a quem dedicou a festa, minutos depois do discurso, quando voltou a lacrimejar.

– Meu pai morreu antes da luta. Acho até que sua morte foi encurtada após a fraude das eleições de 1986, pois ele estava com câncer e suas resistências imunológicas todas caíram. Mas antes de morrer ele me deixou uma lição. Por isso não sou adesista – devido à formação que meu pai me deu.

Os olhos do senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM) brilham quando ele fala do pai. Herdeiro político e do discurso rápido, eloquente, incisivo e inteligente, Neto também herdou o estilo destemido de fazer política, olhando nos olhos do adversário, respeitando-o sem, contudo, temer.

Ao reconstruir as memórias de infância, Arthur Neto lembra que esse aprendizado com o pai começou ainda muito cedo e acabou conduzindo-o a uma academia de jiu-jítsu. E explica por quê.

Quando o pai, Arthur Virgílio Filho, se elegeu deputado federal em 1958 e a família foi transferida para o Rio de Janeiro, Neto, ainda garoto, foi matriculado num dos melhores colégios da época, o Mello e Souza, onde passou a ser alvo de galhofas, pilhérias e brincadeiras discriminatórias por ser do Amazonas, “terra de índio”: “Sofri no início. Os colegas, certas vezes, foram cruéis. Colocavam-me na berlinda porque eu era de Manaus, como se isso fosse algo menor, inferior, desprezível”.

Foi com o conselho e a aprovação do “velho Arthur” que Neto começou a aprender jiu-jítsu, única saída para quem, na sua idade, buscava uma forma de ficar “superior” a quem o agredia com palavras e pequenas maldades diárias.

– Comecei a treinar num fim de ano. Vieram as férias e, no mês de março seguinte, dei um susto na turma. Voltei às aulas bem mais seguro, bem menos fraco fisicamente, o tórax inchado de tanta malhação, o olhar de quem não precisava mais ter medo de ninguém.

O aprendizado é colocado em prática até hoje:

– Quando vou para um debate, vou para vencer. Tem gente que, no fundo, vai para perder. Não menosprezo ninguém, tomo cuidado com todos os adversários, mas não temo nenhum. Defendo as minhas convicções, minhas verdades. Vou para vencer e, na outra hipótese, para vencer também.

Até hoje o senador tucano lamenta que o Brasil discrimine quem tem cara de índio. E lembra que seu pai mesmo era um exemplo de que não se deve ter medo de nada. Grande deputado estadual em sua terra, ele chegou anônimo à Câmara Federal, que funcionava no majestoso Palácio Tiradentes. O presidente da Casa, Ranieri Mazzilli, a todo momento concedia a palavra à revelia do Regimento Interno para estrelas como Carlos Lacerda, Aliomar Baleeiro, Eloy Dutra, Sérgio Magalhães e Santiago Dantas.

– Meu pai tentou falar e ele, energicamente, não lhe permitiu prosseguir. Pacientemente, o velho Arthur anotou cada vez que cada astro do Parlamento usava da palavra quando bem queria. E voltou à carga. Mazzilli tentou desqualificá-lo; com toda a sua cara de índio e sua altivez de caboclo, meu pai reagiu. E a Câmara passou a conhecer um dos maiores oradores em todos os tempos. Nunca mais ninguém lhe cassaria a palavra. Mazzilli não teve alternativa senão ficar seu amigo.

Arthur Virgílio Neto entrou para a diplomacia e o futuro, então, lhe apontava viver mais no exterior do que no Brasil. Movido por uma força interior muito forte, largou a carreira e retornou ao Amazonas, para entrar na vida pública e viver a vida do seu povo. Queria continuar a luta do pai, interrompida pelo arbítrio:

– Hoje vejo que o meu amor pela nossa terra esteve, talvez, um tanto represado durante a longa permanência fora daqui. Ninguém o contém. Aprendi com meu pai que o amor pelo Amazonas é gigantesco. O que mais me inebria são as águas dos nossos rios, dos nossos “oceanos”, mais do que o verde luxuriante até. Mais do que tudo. Sou preso ao povo e às águas em primeiro lugar.

Pela carreira política, desenvolvida de forma firme, ética e coerente até o seu último ato, a cassação, Arthur Virgílio ensinou ao filho mais velho, Arthur Neto, que se enganam os que pensam existir um certo contraste entre a aparente fragilidade do caboclo, do índio da Amazônia e a grandiosidade da região. Arthur entende hoje o que seu pai queria dizer. É difícil ser amazonense e não sentir orgulho dessa condição.

– Por onde a gente anda é tudo pequeno, limitado. Aqui, a realidade é imensa. Parece fantasia. Eis porque somos todos sonhadores, românticos resistentes, teimosos. O que me dá força para vencer lá fora, no fundo, é ser daqui. Sempre foi assim, desde os tempos do esporte quando eu competia no jiu-jítsu, no judô e, às vezes, nas corridas pedestres. O amazonense tem uma motivação a mais, que nasce da energia natural à sua volta e, sem dúvida, do desafio de vencer preconceitos, de mostrar que ele não é inferior a quem quer que seja. Com o velho Arthur aprendi que não nasci num estado qualquer. Sou do Amazonas. Uma terra milagrosa, onde o homem convive amando e enfrentando a natureza mais desafiadora. Manaus é uma dádiva. Metrópole no coração da floresta. No interior, meninos de seis a sete anos enfrentando o banzeiro e as tempestades em suas canoinhas, pequenas casas de árvore. Procuro não ser soberbo em relação a outros brasileiros, conheço o país de ponta a ponta, respeito cada segmento da nacionalidade mas não me sinto menor. Inferioridade nunca.

Numa entrevista para o jornal Amazonas em Tempo, publicada em junho de 2002, durante o Festival Folclórico de Parintins, perguntei o que, além da eloquência, o político Arthur Virgílio Neto herdou do pai, senador Arthur Virgílio. A resposta foi esta – novamente com olhos inundados:

– Meu pai foi muito melhor parlamentar do que sou. Sobretudo em sua fase senatorial. Que vozeirão! Que coragem! Que retórica! O presidente Antônio Carlos Magalhães me encheu o coração homenageando o senador Arthur Virgílio no CD-Rom dos melhores discursos do Congresso. Nos comícios, ele era simplesmente imbatível. Na tribuna, um portento. Não era perfeito como conferencista. Era ótimo de rádio. Não teve ocasião de se tornar íntimo das câmaras de TV. Quando penso que meu pai foi cassado aos 47 anos de idade, depois de ter sido líder do partido e do governo, depois de ter sido líder de oposição ao regime autoritário, sinto uma dor enorme. Não é dor rancorosa. É apenas dor. É pena pelo Amazonas e pelo Brasil, que não puderam usufruir da fase mais madura desse filho tão ilustre e tão digno.

(Publicado em 2011, no livro “Perfis Parlamentares nº 59 – Arthur Virgílio Filho”, pela Câmara dos Deputados)

NOTA DA REDAÇÃO

No dia 19 de dezembro de 2014, o prefeito Arthur Virgílio Neto participou do lançamento do livro “Senador Arthur Virgílio Filho: Um visionário”, em cerimônia realizada no campus da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O lançamento fez parte das comemorações do centenário de colação de grau da primeira turma do curso de Direito da Ufam.

A obra, coordenada pelos ex-diretores da Faculdade de Direito da Ufam Clynio de Araújo e José Russo, reúne depoimentos de personalidades amazonenses, como Arlindo Porto e Etelvina Garcia, dentre outros. Ainda reconta a trajetória do senador Arthur Virgílio Filho e também traz trechos escritos por Arthur Virgílio Neto e pelo deputado federal Arthur Virgílio Bisneto.

A homenagem foi feita no ano em que a universidade celebrou os 100 anos da colação de grau da primeira turma do curso de Direito. De acordo com Clynio de Araújo, o livro é uma forma de homenagear o homem que empresta o nome ao campus universitário e, também, o responsável pela consolidação da Universidade, no Amazonas.

“O livro é despretensioso e memorialista, que registra, por meio de pessoas que o conheceram, a grandeza da sua obra, o espírito visionário do senador que nos legou esta universidade, o grande veículo de inclusão social das classes menos favorecidas. É muito mais que uma justa homenagem. Nós a fazemos com respeito para que as futuras gerações possam saber quem foi o homem que nos doou seu nome para o campus da Ufam”, afirmou.

Emocionado, o prefeito de Manaus, Arthur Neto, acompanhou os discursos que relembraram a trajetória de seu pai, dentre eles o proferido pelo ex-senador Almino Afonso. Quando subiu ao palco, agradeceu a homenagem e destacou o empenho do pai em consolidar a universidade no Amazonas.

“Este livro vai me trazer grandes recordações. Vou ler até o final, porque traz muito do que meu pai viveu. Agradeço imensamente a homenagem. Foi ele que propôs a formatação atual da Universidade Federal do Amazonas. Antes, herança de Eulálio Chaves, havia somente os cursos de direito e economia. Depois se expandiu a ponto de ser o que é hoje e meu pai lutou muito por isto. Almino e eu também fizemos nossa parte e, por tudo isso, tenho muito orgulho do meu pai”, declarou.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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