Por Mário Adolfo
Em 16 de abril de 1964, depois do golpe militar que colocou o marechal Humberto de Alencar Castello Branco no poder, Arthur Virgílio renunciou à vice-liderança de seu partido no Senado. Com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2) e a posterior implantação do bipartidarismo, filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), do qual viria a se tornar vice-líder no Senado, em 1968.
A candidatura de Arthur Virgílio Filho ao Senado foi lançada pelo PTB no dia 22 de junho de 1962 e homologada em convenção realizada dia 30. Antes, no dia 9 de junho de 1962, o deputado federal manifestava a certeza de que Plínio Coelho seria reconduzido pela segunda vez ao Palácio Rio Negro, com “larga margem de votos na capital e no interior”.
Arthur Virgílio fez essa declaração ao retornar a Manaus para se reintegrar à campanha liderada pelo governador Gilberto Mestrinho e pelo seu candidato ao Palácio Rio Negro:
– O PTB, junto com seus tradicionais aliados – PSD e PSB –, demonstrou em dois pleitos contar com o apoio da maioria do eleitorado amazonense. Em 1954 e em 1958, vencemos uma poderosa e coesa coligação oposicionista. No pleito de outubro, a nossa posição ainda é mais favorável. O PTB, unificado, conta também com o apoio dos mais prestigiosos elementos do PSD, da UDN, do PSP, do PDC e do PL, que integraram a oposição naquelas eleições. Foram conosco, ao lado de Gilberto Mestrinho e de Plínio Coelho, entre outros. Se a vitória em 1954 e em 1958 nos sorriu, quando apenas as forças trabalhistas enfrentaram os adversários, só muita ingenuidade poderá pensar que perderemos agora, quando fortalecem nossa luta os prestigiosos políticos que acabei de citar, em cuja relação incluo valorosos deputados que passaram a apoiar o ilustre governador Gilberto Mestrinho desde 1959, como Sérgio Pessoa Neto, Augusto Montenegro, Tércio Araújo da Silva, Dédimo Soares e Isaac de Oliveira Sabbá.
Em outubro de 1962, em uma entrevista concedida pelo deputado Arthur Virgílio Filho ao jornal A Gazeta, já era possível detectar uma certa inquietação no país. Ao desembarcar mais uma vez em Manaus, o parlamentar alertava que “inegavelmente o Brasil vivia momentos de inquietação, gerada pela insatisfação social”:
– Os grandes problemas do povo tardam em ser resolvidos pela resistência egoísta das classes que usufruem os privilégios da situação dominante. É crescente o empobrecimento das massas proletárias, cujos parcos salários são confiscados pela inflação galopante. Enquanto isso, são cada vez maiores os lucros à custa da exploração do trabalho, do suor do trabalhador nacional.
Nessa entrevista histórica, Virgílio sugeria, com urgência, a modificação da estrutura social, política e econômica do país “para podermos preservar as nossas tradições democráticas e cristãs”. E advertia:
– Democracia com fome, com atraso, com angústia, é regime fadado ao descrédito, à falência. A democracia não se sustentará na miséria de um povo, cujos anseios insatisfeitos procurarão, certamente, outros caminhos. Urge essa tomada de consciência nacional a fim de que se estabeleça a verdadeira justiça social, se erradiquem a miséria e o atraso, e a democracia sobreviva. Creio, entretanto, em solução pacífica para os nossos problemas, sobretudo se o trabalhador souber escolher os homens que irão compor o futuro Congresso.
Para o Senado da República, a chapa contava, além do nome de Arthur Virgílio, que tinha o Dr. Edmundo Fernandes Levy na suplência, com o nome do senador Antóvila Mourão Vieira.
Era forte a inquietação naquele 1º de abril de 1964. As tropas se movimentavam para tomar o poder. No Amazonas, a Assembleia Legislativa do estado encontrava-se reunida em sessão permanente desde as 10 horas, sob a presidência do deputado estadual Francisco Cavalcante, para acompanhar os acontecimentos que se registraram no sul do país e examinando todos os episódios da crise nacional. Os deputados comparecem normalmente à sessão permanente, ali tomando conhecimento dos comunicados que chegavam ao Poder Legislativo. Às 15 horas, já circulavam notícias de que forças da Vila Militar marchavam sobre Minas Gerais para iniciar o combate às tropas que resistiam ao golpe.
Com ordem do ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, o 1º e 2º regimentos de infantaria da Vila Militar, comandados pelos coronéis Raimundo Souza e Antônio Moto, rumaram para Minas, a fim de enfrentar as tropas chefiadas pelos generais Mourão Filho e Carlos Guedes.
Uma estação de rádio anunciou que o general Ladário Teles já havia assumido o comando do 3º Exército em Porto Alegre, tendo em seguida requisitado do governo do Rio Grande do Sul o concurso da Brigada Gaúcha a fim de reforçar os seus dispositivos de segurança. Dizia ainda a notícia que o general Ladário Teles tinha requisitado todas as estações de rádio da capital gaúcha, formando um só bloco de informação veiculada. Também chegavam notícias de que as forças militares do 3º Exército reforçavam as fronteiras do Brasil com a Argentina e Uruguai para evitar a entrada de armamentos. Foram suspensos também os direitos políticos de mais de mil lideranças (até 1979). O golpe estava dado.
Os novos detentores do poder também extinguiram os antigos partidos, forçando a criação de somente dois partidos: um de apoio, a Aliança Renovadora Nacional (Arena); e outro de “oposição confiável”, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Foi para este que o senador Arthur Virgílio se transferiu. Não poderia ser diferente: foi o MDB que abrigou políticos e organizações de esquerda duramente persegui-dos pelos órgãos de repressão do regime militar.
A Arena, criada com a missão de ser uma ampla frente de apoio aos militares, congregou 70% dos políticos do ex-PSD e 90% da ex-UDN, além de absorver a quase totalidade dos antigos pequenos partidos conservadores. Já o MDB absorveu as forças contrárias ao golpe de 1964 e a banda dos descontentes com os rumos que os militares definiram para o Brasil. Inicialmente o MDB se constituíra com quadros de cerca de 70% do ex-PTB, 30% do ex-PSD, parte do PDC, PSP e PSB e meia dúzia de ex-udenistas.
Para se manter de pé, no papel de “oposição”, “ainda que confiável”, como queriam os militares, o MDB enfrentou grandes dificuldades em função das limitações que o regime militar impôs à atividade política. Sofreu com inúmeras cassações de parlamentares pelo AI-5.
A partir de 1974, quando massacrou a Arena nas urnas, o partido passou a crescer de forma assombrosa, principalmente com o voto das regiões mais desenvolvidas do país.
Foi nesse clima que o senador Arthur Virgílio Filho, já no MDB, travou, da tribuna do Senado, violento debate com o senador Daniel Krieger, com diversos apartes do senador Padre Calazans. O líder do governo subiu à tribuna para responder a dois violentos discursos, proferidos por Pedro Ludovico e Arthur Virgílio, que criticaram duramente o governo militar. Tanto o Sr. Daniel Krieger como o Sr. Arthur Virgílio ocuparam a tribuna duas vezes falando como líderes da UDN e do PTB, respectivamente, e chegando, no final, a um ponto de acordo. Ambos condenavam a corrupção e divisão do país. Virgílio chegou a afirmar que não desejava o retorno desses males ao Brasil e que lutaria pelo restabelecimento do regime democrático.
Com a edição do Ato Institucional nº 1, em 9 de abril de 1964, os discursos destemidos e ousados do senador Arthur Virgílio Filho começavam a incomodar. No dia 28 de outubro de 1965, os jornais da época publicavam que “seis nomes estavam no pelourinho”, como prováveis cassados. Segundo informações extraoficiais divulgadas nas primeiras horas da noite, o Senado Federal e o Supremo Tribunal “que da vez anterior haviam ficado à margem das punições, quando ocorreu apenas uma única cassação, a do senador Amaury Silva, ministro do Trabalho do governo Goulart, desta vez serão mais duros”.
Informava o jornal A Crítica que o senador Arthur Virgílio Filho, que já estava na mira da “linha dura”, teria entrado definitivamente no rol dos novos cassados em virtude do violento discurso, pronunciado da tribuna do Senado, afirmando que “havia se sobreposto ao medo para arrostar as consequências, sejam elas quais forem”.
O deputado Doutel de Andrade, líder do extinto PTB, e a deputada Ivete Vargas, dizia-se, “encabeçarão a lista dos cassados”. O deputado Osvaldo Lima Filho, ex-ministro da Agricultura do governo deposto, “não escapará à suspensão dos direitos políticos pelo novo ato institucional”. Entre os ministros do Supremo Tribunal Federal estavam incluídos os Drs. Evandro Lins e Hermes Lima. Também se comentava a inclusão do nome do senador Emírio de Moraes e de mais duas dezenas de deputados federais, alcançando também a Assembleia Legislativa dos estados.
(Publicado em 2011, no livro “Perfis Parlamentares nº 59 – Arthur Virgílio Filho”, pela Câmara dos Deputados)