De acordo com o livro “Dicionário Amazonense de Biografias – Vultos do Passado”, de Agnelo Bittencourt, cujo texto transcrevemos em seguida, o responsável pela criação do brasão do município de Manaus foi um militar importado de Lisboa:
O Capitão do Exército Adolfo Guilherme de Miranda Lisboa não residia no Amazonas, nem havia notícia de o ter visitado, sendo chamado a Manaus em 1902, quando, no governo do Estado se achava o Dr. Silvério José Nery, que o nomeou para o cargo de superintendente municipal. Sua administração prolongou-se até 1907, fragmentada por três pequenos intervalos. Pode-se dizer que foi esse o Prefeito municipal que permaneceu por mais tempo no poder. Sua gestão assinalou-se por uma fase de progresso e de atos marcantes na história regional.
Manaus, pouco antes de findar o século, fora transformada de “uma grande aldeia, em cidade moderna.” Acontecia, porém, que ainda restava muita coisa a terminar e tantas outras a começar: era a tarefa que se impunha àquele militar, que logo fez ver a situação precária das finanças da Comuna. Realizaria os melhoramentos em caráter urgente, se o estado lhe permitisse contrair no estrangeiro, um empréstimo de 350 mil libras esterlinas, o que obteve.
Tratemos do caso e, em síntese, da aplicação desse dinheiro, que correspondia, ao câmbio da época, a cinco mil contos de réis, mas sendo somente entregues quatro mil e cem. O restante não passou nas malhas miúdas da operação financeira.
Foi com aquele saldo que o Capitão Adolfo Lisboa levou avante o seu plano de realizar os melhoramentos urbanos e suburbanos de Manaus. Ei-los, em síntese: a) O muro encimado de alto e forte gradil de ferro, compreendendo um portão monumental de coberta de vidro, fechando o Cemitério de São João Batista; b) A capela artística do necrotério; c) A desapropriação e arruamento do bairro do Mocó, passando a chamar-se Vila Municipal, hoje Adrianópolis; d) A fachada de pedra e cimento do Mercado Público, na rua dos Barés, ao alto da qual ainda se lê, em letras garrafais, o nome do Prefeito que a mandou edificar; e) O alargamento, planificação e construção dos meio-fios dos passeios da antiga rua da Matriz, agora Joaquim Sarmento; f) Embelezamento da Praça Tamandaré, etc.
O Capitão Adolfo Lisboa não prestou contas dos 4.100 contos de réis que lhe foram entregues, detalhando as despesas que mandou pagar. Fê-lo, tão somente, em relatórios, sobre o da arrecadação tributária, assim mesmo a grosso modo.
Gostava de prestigiar, com as suas propriedades particulares, as zonas ou logradouros que melhorava. Assim, quando a Prefeitura, por sua iniciativa e ordem, desapropriou e arruou o bairro do Mocó (Adrianópolis), reteve o melhor lote, fronteando o reservatório d’água, e construiu o palacete, em estilo chalet, a que deu o nome Zulmira, de sua esposa. Esse prédio é um encanto de comodidade e luxo, situado na rua São Luís. Realmente a construção valorizou aquele subúrbio.
À entrada da rua da Matriz, esquina da Henrique Martins, em terreno que pouco antes adquirira, mandou construir um grande edifício de dois pavimentos. Em frente à praça Tamandaré, no local onde hoje está o Hotel Amazonas, existia um barracão – depósito de material de obras da Prefeitura. Não se sabe por que meios, este imóvel do patrimônio municipal passou para o acervo particular do Capitão Lisboa. O certo é que apareceu no seu espólio, após sua morte, tanto que houve ação de embargo para retirá-lo do inventário.
Dentre os intervalos em que o Superintendente Adolfo Lisboa esteve afastado da Prefeitura, por duas vezes serviu no posto de coronel, o comando do Batalhão de Polícia Militar do Estado, onde deixou fama de homem de excessivo rigor, na aplicação de penas disciplinares. De uma feita, uma praça de pret foi castigada, ficando com as vestes ensanguentadas. Fugindo do quartel, apresentou-se na redação do jornal “Quo vadis?”, que aproveitando o ensejo da destemida oposição que fazia ao Governo, fez um grande escândalo.
Conta-se que, no correr do ano de 1910, o ex-superintendente de Manaus, se achava em Paris, para onde fora em busca de tratamento à sua saúde abalada, pondo-o em estado de fraqueza e neurastenia. Ao tempo, ainda predominavam os veículos de tração animal. Ao saltar de um deles, paga o estipulado, não fazendo com referência à gratificação. O boleeiro reclama zangado. Lisboa irrita-se e atira violentamente no rosto do reclamante, um punhado de moedinhas de ouro e prata, que se espalham pelo solo e pelo carro.
Rápido como um gato e indigno como uma toupeira, da boleia pula ao chão, não para castigar o passageiro, mas sim para apanhar uma a uma as moedas. Alegre o boleeiro, após ter conseguido juntá-las, diz reverente: “Merci, merci, monsieur!”. Um amazonense que, ao acaso por ali passava, viu a cena. Dias depois, a colônia brasileira já a conhecia, não motejando daquele patrício doente, mas da vilania de um profissional habituado a tratar com os seus cavalos.
Como se depreende, não se trata da biografia do Capitão Adolfo Guilherme de Miranda Lisboa, que foi um esquisitão, um hermético, espiritualmente trancado em si mesmo. Não fazia “pose”. Um retratista não o surpreendia, um psicólogo, muito menos. Poucas as relações de amizade e de simples cortesia que cultivou em Manaus durante seis anos em que foi um dos expoentes da vida oficial. Nem mesmo no transcurso do célebre carnaval de 1902 que ele custeou oficialmente, mandando buscar da Europa fantasias e carros alegóricos, de belezas surpreendentes. Não se misturou com o povo, tendo apreciado os desfiles de certo ponto afastado, pois nunca se quis integrar na espiritualidade da família amazonense.
Alguém que se desse ao trabalho de ler este Dicionário, estranharia não encontrar o nome de Adolfo Lisboa, estando na lista dos que serviram ao Amazonas, por largo tempo. Quanto ao resto, lembro que a sagacidade e o esforço da inteligência jamais terão o poder dos raios X, em se tratando de homens enclausurados em si mesmos.
Pois foi esse militar “esquisitão, hermético, espiritualmente trancado em si mesmo”, como lhe retratou Agnelo Bittencourt, que no dia 17 de abril publicou o decreto abaixo:
Decreto N° 17 de Abril de 1906
Adopto para a Municipalidade o escudo, de acordo com o croquis junto.
Adolpho Guilherme de Miranda Lisbôa, Superintendente Municipal de Manáos, por nomeação legal etc.
Considerando que o Município não possui como distintivo um escudo próprio.
Considerando que essa omissão deve ser quanto antes reparada.
Decreta
Artigo 1° – O escudo do Município é encimado, conforme o croqui junto, por um sol com o dístico “21 de Novembro de 1889”, alusivo em que, nesta Cidade, a antiga província aderiu à proclamação da República.
Artigo 2° – As três secções em que se divide o escudo representam: as duas menores, uma o encontro das águas dos rios Solimões e Negro, dois pequenos bergantins antigos ou descobrimento da foz do segundo rio pela expedição de Orellana em meados do século XVI, e a outra fundação definitiva de Manáos em princípios do século XVII. A Fortaleza com a bandeira no tope do mastro significam o domínio então portugueses; do lado oposto: as casas de palha os primeiros fundamentos da Cidade e das duas figuras centrais de acordo com a lenda; as pazes celebradas entre os índios e a metrópole pelo casamento de uma filha do Cacique com o comandante da escoltar militar portuguesa. Na secção maior um trecho do rio, tendo em relevo; na frente, uma árvore simbólica da natureza agrícola e industrial da região que tornou Manáos o grande empório da goma elástica.
Artigo 3° – Cabe a esta Superintendência regular e determinar o emprego do escudo no sinete oficial e nas fachadas dos edifícios públicos pertinentes ao Município.
§ Único – Fica este Decreto sujeito à aprovação do Conselho Municipal.
Gabinete da Superintendência Municipal de Manáos
17 de abril de 1906.
Adolpho Guilherme de Miranda Lisbôa