Não fora a introdução do fonógrafo no Brasil, talvez a carreira de um dos mais celebrados intérpretes da música popular brasileira tivesse se perdido nas brumas do tempo. Mas o fonógrafo foi responsável por ser possível avaliar a obra do cantor Bahiano, logo após a implantação do aparelho no Brasil.
Quando, em 1903, Fred Figner fez editar o primeiro catálogo comercial de discos de sua fábrica Odeon, quem encabeçava a lista das primeiras 73 gravações era exatamente Bahiano, por ele contratado – junto com Cadete, outro grande intérprete popular – para ser o primeiro a gravar comercialmente no Brasil.
Nascido em 5 de dezembro de 1887, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, Manuel Pedro dos Santos, que viveria no Rio de Janeiro até sua morte em 15 de julho de 1944, ganhou fama ao se tornar cançonetista com o apelido de Bahiano.
Especializado em modinhas e lundus, que cantava acompanhando-se ao violão, teve a chance de se tornar conhecido e ganhar lugar definitivo na história da música popular brasileira e do samba, em particular, ao gravar para a Casa Edison aquele que é considerado primeiro samba levado ao disco, “Pelo Telefone”, em 1917.
Primeiro cantor a se profissionalizar no Brasil, ele gravou também o primeiro disco de cera, que substituiu os cilindros gravados, como de hábito na época, em apenas uma das faces. Esse registro foi feito com o lundu de “Xisto Bahia, Isto É Bom”, no selo Zon-O-Phone nº 10.001.
Bahiano fez sucesso até meados dos anos 20, gravando composições consideradas clássicas entre as centenas de sua discografia. A modinha “Perdão Emília”, de Eduardo das Neves, o tango “As Laranjas Da Sabina”, de Arthur Azevedo, e a toada “Cabôca De Caxangá”, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, são bons exemplos de seu ecletismo musical.
No final da carreira, ele grava “Quem Eu Sou”, lamentoso e autobiográfico: “Quem eu sou?/ Um baiano atirado/ Nessas vagas soberbas do mar/ Já sem leme, bem perto da rocha/ Desse abismo que vai me tragar” – e fecha com uma fala inesperada: “Canto há tantos anos e nunca arranjei nada. Finalmente, consegui um empregozinho nesta casa, com o que vou vivendo, graças a Deus”.
A influência nordestina e a Festa da Penha
A forma de compor e tocar de João Pernambuco viria mostrar sua influência nos sambistas cariocas mais de uma geração depois do reconhecimento de seu talento como violonista, no Rio de Janeiro.
Filho de índia com português, nascido no interior de Pernambuco, João tocava viola desde garoto e, quando chegou ao Rio, já tinha formação baseada nas canções sertanejas da infância.
O trabalho duro de operário não conseguiu abafar seu talento de músico e compositor, embora tenha sido demorado o reconhecimento de sua autoria no clássico “Luar Do Sertão”, que Catulo da Paixão Cearense alegava ter feito sozinho.
Autodidata, João Pernambuco aproxima-se de grandes instrumentistas, que por seu lado bebem da maneira espontânea e talentosa com que o jovem pernambucano executa seu violão.
Muitos deles assimilam seu estilo, principalmente depois de João se transformar em figura conhecida, apresentando-se em palácios e mansões de personalidades da República, como Ruy Barbosa e Afonso Arinos.
Sua composição “Cabôca De Caxangá” faz sucesso em 1913 e inspira a criação do Grupo de Caxangá, que teria papel importante na divulgação dos ritmos formadores do samba.
Daquele grupo, ele se transfere para os Turunas Pernambucanos e depois para Os Oito Batutas.
Financiado pelo mecenas Arnaldo Guinle, viaja por vários estados recolhendo temas folclóricos, um trabalho do qual participou também Pixinguinha, com quem já trocava informações musicais.
Ao falecer, em 1947, sua influência já alcançava a segunda geração de músicos depois de sua chegada ao Rio de Janeiro.
Não apenas João Pernambuco foi legado à música brasileira pelos Turunas Pernambucanos.
A futura dupla caipira Jararaca e Ratinho também fez parte do grupo que nasceu no Recife e fez grande sucesso no país inteiro.
Exibiram-se inclusive no Cine Teatro Moderno, de Recife, ao lado dos Oito Batutas, quando estes lá estiveram em 1921.
No centenário da Independência, no Rio de Janeiro, os Turunas Pernambucanos conquistaram a cidade, gravaram dois discos na Odeon, excursionaram pelo Sul do Brasil e depois encerraram suas atividades, após uma série de apresentações em Buenos Aires.
Na esteira dos Turunas Pernambucanos vieram os Turunas da Mauricéia com nomes da grandeza do bandolinista Luperce Miranda e do cantor Augusto Calheiros, a Patativa do Norte.
No mesmo estilo de seus antecessores, grupos de cantores e instrumentistas, suas apresentações impressionaram e influenciaram os cariocas que criaram também seus grupos, o mais conhecido surgindo algum tempo depois, o Bando de Tangarás, em que despontavam Noel Rosa, Almirante e João de Barro, o Braguinha, entre outros.
O grande polo agregador dos sambistas, porém, era a Festa da Penha, organizada no Rio de Janeiro pela comunidade portuguesa para comemorar o dia da Natividade de Nossa Senhora, no fim do século 18 e que acabou apropriada pelos baianos e sambistas cariocas.
A festa mantinha seu caráter religioso, com missas e pagamentos de promessas católicas, mas aos poucos cerimônias do candomblé foram sendo introduzidas e os sambistas faziam das barracas das “tias” baianas seus pontos de encontro.
Ali, comiam bem, ouviam o canto das mulheres que cozinhavam, malandros jogavam capoeira, armavam suas rodas de samba em meio a generosas doses de aguardente, o que levantava a temperatura e, muitas vezes, acabava em conflito, com intervenção violenta da polícia, sempre à procura de motivo para reprimir samba e sambistas.
Com o tempo, músicos e grupos profissionais passam a frequentar a Festa da Penha, e concursos musicais com prêmios são organizados.
Os fins de semana de outubro são quase tão animados quanto o carnaval e tornam-se uma prévia dele, pois na Penha os compositores lançavam seus novos trabalhos, numa espécie de vitrine, para o grande festejo de fevereiro.
Tia Ciata era uma das mais famosas frequentadoras da Festa, onde armou sua barraca até morrer em 1924. O final da década de 20 marcou os últimos anos de fastígio do grande evento musical, um dos principais do início do século.
O rádio chega ao Brasil
Embora a radiocomunicação tenha seu início no Brasil por meio do padre Roberto Landell de Moura, que em 1892 transmitia e captava sons através de válvulas, o nascimento do rádio é creditado à inauguração da Rádio Clube de Pernambuco, em 17 de outubro de 1922.
O começo da radiodifusão deu-se um pouco antes, quando o presidente Epitácio Pessoa inaugurou com um discurso a Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Sua fala foi transmitida por uma estação de pequena potência montada pela Westinghouse e ouvida por centenas de pessoas, através de alto-falantes.
Durante os sete meses da Exposição, a emissora experimental transmitiu programas de música erudita dos teatros Municipal e Lírico e conferências educativas, que eram acompanhadas por milhares de pessoas pelos alto-falantes ou por aparelhos receptores cedidos a personalidades ou distribuídos em praças públicas.
Mas, a criação oficial do rádio no Brasil é creditada a Edgard Roquette-Pinto, intelectual carioca que se apaixonou pela radiofonia quando se juntou ao general Rondon (o grande semeador de linhas telegráficas no país) para participar da Expedição Rondon.
Acompanhando as demonstrações na Exposição Internacional, Roquette-Pinto interessou-se pelas possibilidades educativas do novo meio de comunicação e, unindo-se ao professor e cientista Henrique Morize, decide levar avante o projeto de criar a “radiotelefonia educadora”.
No dia 23 de abril de 1923 estava inaugurada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, à qual se seguem no mesmo ano a Rádio Clube do Paraná e a Rádio Educadora Paulista.
Eram os primeiros passos brasileiros na direção do novo meio de comunicação, que o mundo ganhou graças à inventividade do italiano Guglielmo Marconi.
A radiodifusão seria fundamental para retirar definitivamente o samba do gueto.