Musicoterapia

A verdadeira história do Milli Vanilli

A dupla franco-alemã que no final dos anos 1980 misturou sucesso, sexo, drogas e mentiras
Postado por Simão Pessoa

Por Carlos Estênio Brasilino

Rob Pilatus e Fab Morvan, rapazes negros europeus e de origem pobre, tiveram a música pop aos pés no final dos anos 1980. Venderam milhões de discos, foram capas de centenas de revistas, conquistaram os corações de fãs em todo o mundo, ganharam o Grammy, prêmio máximo do mercado fonográfico, e, claro, não escaparam aos efeitos colaterais da fama, como sexo, drogas e tragédia. De uma hora para outra, no entanto, tudo desmoronou. Afinal, o Milli Vanilli, nome do duo, não passava de uma farsa: Rob e Fab jamais cantaram uma única nota em suas músicas.

Esta é a história contada no documentário “Milli Vanilli: O Maior Escândalo do Mundo da Música”, lançado em streaming pela Paramount+, no final do ano passado. Um enredo que teve um desfecho trágico: tomado pela depressão, após ser desmascarado, humilhado e execrado por aqueles que antes o bajulavam e adoravam, Rob Pilatus tirou a própria vida, em 1998. Ele tinha apenas 32 anos.

O documentário do cineasta americano Luke Korem, com quase duas horas de duração, é recheado de imagens do auge da dupla, entre 1988 e 1990, entrevistas de envolvidos em toda a trama, como os executivos da gravadora Arista, que juram de pés juntos que não sabiam da trapaça, e depoimentos ora nostálgicos, ora melancólicos de Fab Morvan, que fala sempre com muito carinho do companheiro que se foi.

Milli Vanilli foi uma invenção do produtor musical Frank Farian, mistura de Dick Vigarista e rei Midas do cenário musical europeu. O projeto: músicas pop com elevado acento eurodisco, “cantadas” por dois belos jovens, também exímios dançarinos. A fórmula perfeita, não fosse um porém: Rob e Fab não cantavam chongas.

Com o tilintar dos cifrões na cabeça, Farian teve o clique: contratou um cantor e um rapper americanos, Brad Howell e Charles Shaw, duas irmãs que se incubiram dos vocais de apoio, compôs um clássico do pop, “Girl, You Know it’s True”, e voilá: estava pronto o Milli Vanilli.

Embriagados por muito dinheiro e pelo sonho de serem “as grandes estrelas do pop”, Rob e Fab não demoraram a aceitar fazer parte da farsa. Eles apenas dublariam as músicas nas aparições ao vivo do duo, mas, no estúdio, os autênticos artistas gravariam as músicas.

Fab Morvan, Frank Farian e Rob Pilatus: as “vozes” e o cérebro do Milli Vanilli

A mentira, é bem verdade, foi lucrativa: o primeiro álbum do Milli Vanilli, “All or Nothing”, de 1988, vendeu 10 milhões de cópias. Seis milhões só nos EUA. Com tais números, a conquista dos americanos pela dupla franco-alemã estava consolidada.

Uma turnê nos EUA foi agendada, graças ao poder da gravadora Arista, que contratou os pupilos de Farian. Mas como fazer shows com uma dupla que não canta? A gravadora chamou músicos de verdade para a banda, mas eles estranhavam o fato de que os “cantores” nunca apareciam nos ensaios. “Devem ser bons pra caramba”, ironizavam os músicos.

Com o mundo tomado pela febre Milli Vanilli, veio o “reconhecimento” musical: um Grammy de artista revelação, o que, no entanto, marcou o início do fim da dupla. No topo, veio o primeiro indício de que o Milli Vanilli não cantava: durante um show, a fita com as vozes pré-gravadas emperrou e a mesma frase passou a ser repetida. A dupla teve que sair correndo do palco.

Com egos na estratosfera e encharcados de drogas, Rob e Fab se autodeclaravam “melhores do que os Beatles” e os “próximos Elvis” e exigiram de Farian: as próprias vozes no próximo álbum ou mais dinheiro. O produtor decidiu, então, virar a mesa. “Não serei chantageado por esses idiotas”, vociferou.

Nos EUA, apresentou à imprensa os verdadeiros cantores do Milli Vanilli – na maior cara de pau, os chamou de The Real Milli Vanilli – e abandonou Rob e Fab à sanha dos leões.

Desmascarada, restou à dupla a suprema humilhação de devolver o Grammy. Além disso, Rob e Fab perderam dinheiro, fama, credibilidade, respeito e o carinho dos fãs. O sonho sustentado pela mentira se tornou pesadelo e Rob e Fab viraram párias no meio musical. Já era. Era o fim.

A farsa ganhou contornos trágicos com a morte de Rob Pilatus. Em desgraça, ele ficou três meses preso, em 1996, por assalto, vandalismo e roubo, além de seis meses internado em uma clínica de reabilitação. Em 1998, dez anos após quase ser o “próximo Elvis”, deu cabo à própria vida com uma mistura de álcool e barbitúricos.

Fab ainda tentou seguir a carreira solo como cantor, mas jamais conseguiu um mísero reconhecimento. Frank Farian, hoje com 82 anos, saiu praticamente ileso de todo o escândalo e seguiu carreira como produtor. Sem, no entanto, emplacar outra galinha dos ovos de ouro.

Há de se ressaltar que Farian já havia ganhado rios de dinheiro, nos anos 1970, com outro grupo fake, o Boney M., cujo “cantor”, Bob Farrell, também era incapaz de soltar um “mi”.

Fabrice “Fab” Morvan, ex-Milli Vanilli

Atualmente, 35 anos depois do fenômeno Milli Vanilli, a dupla é figurinha carimbada nas festinhas de flashbacks dos anos 1980. E um filme, “Girl, You Know It’s True”, do cineasta alemão Simon Verhoeven, contando a história de Rob e Fab, está previsto para ser lançado nos EUA em agosto deste ano.

Ao final do documentário, fica martelando na cabeça uma piada do comediante americano Arsenio Hall – que, na época, costumava zombar horrores do Milli – feita em referência ao maior hit do duo: “Girl, you know that it’s not true (garota, você sabe que isso não é verdadeiro)”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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