Com o êxito da gravação de “Pelo Telefone”, grande número de compositores e intérpretes passou a se interessar pelo gênero e outros discos surgiram destacando a novidade. As estrelas da Casa Edison não ficariam alheias a esse fato.
Depois de Bahiano ser o pioneiro, Eduardo das Neves, que se apresentava nos circos como palhaço Dudu, gravou logo depois um samba carnavalesco de Freire Júnior, “Desabafo Carnavalesco”.
Os cantores Cadete, Nozinho e Mário Pinheiro (este era também o locutor que se ouve nas velhas gravações anunciando: “Casa Edison, Rio de Janeiro”) aparecem nos catálogos com menos frequência que Bahiano, mas aderem imediatamente à febre do samba.
Os Geraldos, dupla de cançonetistas que, depois do êxito no Rio de Janeiro, acaba por se fixar em Portugal, usam os palcos para divulgar o novo ritmo, chegando Geraldo Magalhães (que formou a dupla com vários parceiros) a gravar individualmente “Samba Baiano”, de sua autoria, e “Iaiá Me Diga”, de Raul Moraes.
A dupla Os Geraldos gravou em disco a mesma “Iaiá Me Diga”, “A Baianada”, “Samba Africano”, “Nhá Maruca Foi S’Imbora” e “Nhá Moça”.
Em 1916, Os Geraldos foram o grande destaque do carnaval com a versão de “Minha Caraboo”, estranha canção norte-americana, composta por um jamaicano e vertida para o português por Alfredo de Albuquerque.
O primeiro sucesso de Sinhô é o samba “Quem São Eles?”, de 1918, que inicia a polêmica com os frequentadores da casa de Tia Ciata. Os sambistas China e Hilário Jovino providenciam as respostas com os sambas “Já Te Digo” e “Não És Tão Falado”.
O samba começa a ganhar popularidade e Sinhô vai em sua esteira, lançando, em 1920, “Fala, Meu Louro”, gravado por Bahiano e depois por um cantor que iniciava sua carreira musical se apresentando em circos de subúrbios chamado Francisco Alves.
O descolado José Luís de Morais, que se tornou famoso como o sambista Caninha, “estoura” no carnaval de 1921 com o samba “Essa Nega Qué Me Dá”, também gravado por Bahiano.
Em 1922, disputando com Sinhô (que inscrevera “Não É Assim”), Caninha ganha o concurso de sambas da Festa da Penha com “Me Sinto Mal”, que ele chamava de “marcha ragtime” e que já na época garantia: “Quando chega o carnaval / Ninguém lembra da carestia / Vamos todos para a avenida / Caímos na folia”. Sinhô, o Rei do Samba, que não admitia derrotas, saiu furioso. O júri precisou de proteção policial.
Nesse meio tempo, São Paulo passa a influir no carnaval carioca (ao menos no estilo) e o “samba à moda paulista”, de Eduardo Souto, “Tatu Subiu No Pau”, é o maior sucesso em 1923.
As marchas dominavam o carnaval de 1924, mas o que ganhou as preferências do povão foi o samba de Luiz Nunes Sampaio, “Casaco De Mulata É De Prestação”.
No mesmo ano, Caninha volta a fazer sucesso, recebendo um prêmio de trezentos mil-réis em um concurso carnavalesco com sua composição “Rosinha”.
O pioneiro Donga, que andava meio esquecido, se junta ao compositor De Chocolate e volta a se projetar como criador de sambas lançando “Nosso Ranchinho”, que a Odeon grava imediatamente.
Heitor dos Prazeres – que nunca deixara de estar na linha de frente – marca presença com o futuro clássico “Deixa A Malandragem Se És Capaz”.
A fase pioneira estava chegando ao fim com a implantação do sistema elétrico de gravação, em 1927, que daí pra frente daria impulso definitivo ao samba.
A chegada da “machina que falla”
Quinta da Boa Vista, 13 de novembro de 1889. Na presença do imperador D. Pedro II, da princesa Isabel e de seu marido, o conde D’Eu, um dos filhos do casal, o príncipe do Grão-Pará, disse algumas frases na frente da corneta de um estranho aparelho musical e o outro, o príncipe D. Pedro Augusto, solfejou. Foi a primeira gravação de sons feita no Brasil.
A Corte brasileira estava conhecendo pela primeira vez o grafofone, o modelo mais avançado de Thomas Edison para seu gramofone. Donde se conclui que D. Pedro Augusto foi o primeiro brasileiro a ter sua voz gravada, no papel de “cantor”.
O Brasil foi um dos primeiros países a ter a novidade do final do século 19 – a máquina que aprisionava sons –, já que em 1878, um ano apenas depois de ter registrado sua invenção, Thomas Edison receberia autorização do imperador para comercializar o aparelho no país.
A princípio, o gramofone se transformou apenas em atração de feira, circense, teatral, sendo exibida por camelôs onde encontrassem espaço para reunir meia dúzia de embasbacados cidadãos disposta a pagar um níquel para ver e ouvir aquela incrível máquina falante. Saída das páginas da ficção, ela seria uma poderosa influência na cultura de todos os povos.
No Brasil, o primeiro a se interessar comercialmente pelas máquinas falantes foi o imigrante tchecoslovaco, de origem judaica, Frederico Figner.
Ainda menino, ele emigrou com a família para os Estados Unidos. Lá, já adulto, ao tomar conhecimento da invenção, que ainda funcionava de maneira primitiva (com rolos de cera), mas já deixava de ser mera curiosidade para se transformar em atividade comercial, comprou um fonógrafo, alguns rolos de cera, e saiu a exibi-los pelas Américas.
De volta àquele país, resolve explorar um mercado ainda virgem e parte rumo ao Brasil, onde entra por Belém do Pará, no final de 1891. Percebendo o sucesso de suas apresentações, envereda pelo Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia e dá com os costados do Rio de Janeiro, em abril de 1892.
Instala-se na Rua do Ouvidor, 135, com sua “machina que falla”, como anunciavam os jornais, sem saber que iria interferir profundamente na cultura popular do país que escolhera ao acaso para ganhar dinheiro.
Das sessões diárias para apresentação da novidade até perceber a mina de ouro, para Fred Figner – como se tornou conhecido – foi um passo. Ele começa a importar e comercializar gramofones e cilindros que vendem como água, pois eram encontrados com vários preços, acessíveis ou sofisticados. Com sua famosa Casa Edison, se transformou no dono absoluto do mercado.
Nos últimos anos do século 19, entretanto, ele começa a enfrentar uma feroz concorrência e sua criatividade é posta em prova para manter a liderança. Até então se vendiam apenas cilindros de música estrangeira, todos eles importados.
Fred convida os cantores Cadete (Antônio da Costa Moreira) e Bahiano (Manuel Pedro dos Santos) para gravar fonogramas brasileiros, ganhando um mil-réis por cilindro.
Mais tarde o palhaço Dudu (Eduardo das Neves), famoso por seus lundus e canções, veio juntar-se à dupla. Com isso mais um pioneirismo foi acrescido à biografia de Fred Figner, o de profissionalizar a música popular no Brasil.
Em 1904, entra no mercado um gramofone que utilizava discos de cera, cuja reprodução do som era feita através de uma agulha metálica presa a um diafragma de mica. A novidade havia sido lançada na Europa por Émile Berliner.
Por meio de um contrato com a Internacional Zonophone Company, Fred Figner garante o direito de fabricação no Brasil de chapas prensadas dos dois lados (o “coração” do disco de cera), que em muito pouco tempo eliminaria o sistema de gravação por cilindro. Surgem as séries Zon-O-Phone 10.000 e X-1000 que podem ser consideradas as primeiras do disco brasileiro.
O sistema de gravação era mecânico, obrigando o intérprete a cantar praticamente gritando na boca de uma enorme corneta (a avó do microfone). O “técnico de som” tinha de empurrá-lo à frente pelos ombros nas notas graves, ou puxá-lo para longe, nas agudas. Quando gravavam bandas ou conjuntos, os músicos se amontoavam na frente do “microfone-corneta”.
Depois da gravação, a cera era enviada para a Alemanha e voltava transformada em disco seis meses mais tarde.
Em 1913, Figner importa da Alemanha os mais modernos equipamentos da época e instala no Brasil a primeira fábrica de discos, a Odeon, no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro.
A fábrica era capaz de produzir um 1.500.000 discos por ano, num ritmo de cerca de um disco a cada três minutos. Empregava pouco mais de 150 operários e possuía até mesmo um programa de reciclagem, que incluía o reaproveitamento dos produtos rejeitados e discos encalhados nas prateleiras dos revendedores.
O processo industrial era completo, desde a obtenção da matriz até a prensagem. A massa (que prensada se transformava em disco) já era produzida pela fábrica na época, sendo composta por negro de fumo, resina de jatobá ou cera de carnaúba, ardósia e goma laca.
A Odeon manteve a liderança no mercado até 1924, quando o processo de gravação elétrica foi criado pela Victor Talking Machine, uma revolução na história da indústria fonográfica.
Produziram-se, assim, os discos de 78 rpm (rotações por minuto) que reinaram até a década de 1960 e foram substituídos pelo LP (long playing = longa gravação), contendo entre quatro e doze músicas.
Na esteira da fábrica Odeon surgiu a Fabrica Phonographica União (1919) e a Fabrica Popular (1920). Estava consolidada a indústria dos discos no Brasil. A partir daí, outras empresas se instalaram no Brasil, como a Victor Talking Machine Co. of Brazil (que em 1929 passaria a se chamar RCA Victor Brazileira Inc.), Columbia Phonograph e Sociedade Anônima Brunswick do Brasil.
Esta última instalada em 1927 teve vida curta. Os artistas que nela gravaram não ganharam grande destaque e hoje são ilustres desconhecidos. Para piorar, quando encerrou suas atividades no Brasil, a Brunswick remeteu todas as suas matrizes para a sede da companhia em Chicago.
Só recentemente o selo Revivendo reeditou algumas das gravações feitas pela Brunswick, encontradas em poder de alguns colecionadores.
Apenas a título de curiosidade, a Brunswick existe até hoje em Chicago, mas hoje fabrica equipamentos para ginástica, botes e motores de popa.
As reais possibilidades da indústria fonográfica foram logo percebidas no Brasil inteiro. Em diversos estados começaram a aparecer, se não fábricas de discos – porque na época a tecnologia ainda estava restrita praticamente ao Rio de Janeiro –, dezenas de “selos” regionais.
“Fabricantes” encomendavam discos que de seus levavam somente a marca nos selos, pois gravavam com artistas de suas regiões.
Os estados que mais conseguiram êxito nesse aspecto foram a Bahia e, principalmente, o Rio Grande do Sul, com o selo Disco Gaúcho.
Reconhecido pela figura de um cavaleiro em trajes típicos, esse selo valeu-se do rico folclore do estado e da musicalidade dos vizinhos, Argentina e Uruguai, para conquistar respeitável fatia do mercado sulista, chegando mesmo a fabricar discos para a etiqueta Phoenix, que pertencia a Casa Edison.
O fato se explica porque Savério Leonetti, o criador do selo Disco Gaúcho, dono da casa A Elétrica, de Porto Alegre, era o representante de Fred Figner para o sul do Brasil.
No período de 1930 a 1960, o número de fábricas fonográficas no Brasil passou de três (Odeon, Victor e Colúmbia) para 150.