Verso & Prosa

De Carlos Zéfiro para Jair Bolsonaro

Alcides Caminha, o famoso Carlos Zéfiro, entre duas coelhinhas da Playboy
Postado por Simão Pessoa

Por Joaquim Ferreira dos Santos

De pornógrafo para pornógrafo, meu caro capitão, eu sou aquele do tempo em que sexo era uma coisa a se fazer apenas depois das bênçãos da santa madre igreja, com a luz apagada e nas posições regulamentares. Fora disso, pecado mortal. “Golden shower”, o vídeo pornô que você divulgou, podia ser no máximo o título em inglês para o jingle das Duchas Corona, aquele do “banho de alegria num mundo de água quente”. Ninguém sabia de nada, mas todos tinham muito medo das consequências. Meninos que se masturbavam ficavam cegos. Moças não menstruavam, ficavam incomodadas. Suruba em Noronha, nem pensar. A grande sacanagem era essa tremenda ignorância.

Eu sou aquele que vivia escondido, muitas vezes dentro dos catecismos da primeira comunhão e, entre um tiro e outro na academia de cadetes, você deve ter visto minhas historinhas safadas. Eu era apenas um desenhista de quadrinhos pornográficos que por acaso, em meio às trevas, ensinou milhões de brasileiros sobre estas quatro letrinhas que molham e, vejo agora, ainda assustam com seu desejo de mais liberdade. Sexo não tem nexo. Veja o caso do delegado Machado, da novela “O sétimo guardião”, em cartaz às nove da noite. O prezado doutor, macho quase sempre, gosta de usar calcinha de mulher. E daí?

De pornógrafo para pornógrafo, te sugiro, capitão, que faça como eu e aproveite a oportunidade de entrar para a História. Deixa o bicho solto. Pouca vergonha é a pool party do Beto Richa.

Eu desenhei o esboço tosco da felicidade brasileira de viver sua liberdade sexual. Depois veio a Leila Diniz, depois a tanga do Gabeira, anteontem a Pabllo Vittar, e assim, sem decretos, cada um na sua cama, foi se fazendo um país mais alegre. Sexo é questão de furor, ofurô e furo íntimo, não pode ficar por baixo ou por cima de qualquer plano de Estado.

De pornógrafo para pornógrafo, eu pergunto: já foste ao Baile da Gaiola? O MC Kevin, ídolo de lá, faz músicas conjugando basicamente os verbos “toma, leva, senta”. As moças da melhor sociedade adoram e dançam batendo o bumbum no chão. Kevin disputa, pau a pau, o primeiro lugar das mais tocadas no Spotify com o “Bola rebola”, da Anitta. Sim, ela mesma, aquela vista aos beijos com o Neymar, de pé quebrado, os dois alheios às piadas sobre o lançamento de uma versão carnavalesca do canguru perneta.

A propósito, o capitão se amarra em bondage? Tem casais que aos sábados servem o jantar, botam os filhos para dormir e preferem ir ao swing. Pouca vergonha no Brasil é arrancar da cartilha dos adolescentes as páginas sobre o uso da camisinha. Fazer xixi na cara do outro, desde que o outro goste, é assunto lá deles, fazer o quê? Quando os dois resolvem encenar a melequeira no meio da rua, aí sim, vira caso para a polícia.

De resto, eu te sugeriria focar no rombo da previdência, tirar da reta a trolha do desemprego, e deixar a sacanagem ao livre arbítrio dos interessados. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é — se me permite tocar no fim desta carta a música do velho Caetano, aquele que nos dias pares veste rosa, nos ímpares, azul. Tá nem aí.

A cama não tem partido, não tem viés ideológico e nela vale o uso de caixa dois, laranja, lobby, troca de sigla e principalmente falta de decoro parlamentar. No sexo, meu caro pornógrafo presidencial, vale tudo — menos o uso da força da autoridade.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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