Verso & Prosa

O vibra-verbo estala vigor de vida no sexo

Postado por Simão Pessoa

Por Joaquim Ferreira dos Santos

Sexo. Não se assuste. É só uma maneira, curta e grossa, de vibrar bom jornalismo e ir direto ao assunto. Sexo. Eu acabei de ler as cartas de James Joyce para a mulher, no volume de “Cem Melhores Histórias Eróticas da Literatura Universal” e ele só pensava nisso. Vi, tardiamente, “Irreversível”, de Gaspar Noé, e lá estavam elas, em seu estado mais sublime, as quatro letrinhas que molham. Sexo. Achei que eram desculpas suficientes para introduzir, colocar, inserir, ir com tudo, cutucar, partir pra dentro, botar a língua num assunto que, gritando sempre tão alto, roubou todos esses verbos para seu uso exclusivo. Sexo. Com muito duplo sentido. Deixa, por favor, deixa eu também meter o dedo nessa ferida. Segura só.

Tenho, por necessidade profissional, assinatura do canal Sexy Hot e confesso que ele não só já me ajudou no trabalho solitário de escrever artigos sobre televisão e o to be or not to be da existência como também me proporcionou, em noites agitadas, chegar mais rápido ao gozo supremo de fechar os olhos e, loucura, loucura, dormir bem gostoso. A assinatura custa uma mixaria ao mês e não cria a dependência química dos remédios. Recomendo.

Ver no Sexy Hot um casal depois do outro, geralmente por trás do outro, recitando ao infinito aquele mantra de “aaaaaaahhhh” e “uuhhhhhhh”, copulando segundo as normas do erotismo pornô, ver um programa desses é uma das mais eficientes versões modernas para o velho hábito de contar carneirinhos. Não tem erro. Dorme-se muuuiiito.

Sexo, sem querer pegar carona na poesia jaboriana de que amor é pagão, sexo é invasão, eu diria que sexo, se é que eu estou ligando o nome à pessoa, sexo, se não me falha a memória, é coisa que eu nunca vi passar no Sexy Hot.

Pode ser que os casais dos filmes me esperem dormir para, aí sim, adentrarem no melhor do sexo, que é quando rola a grande sacanagem – a saliência da intimidade. Acho pouco provável. Acho, e quem acha tanto acaba se perdendo, que quando eu durmo eles correm é para fazer o mesmo, cansados da repetição daquela aeróbica truculenta.

Em alguns momentos são tão repetitivos que eu já jurei ter visto um rapaz fazer nos seios de uma moça o mesmo gesto do operário do Chaplin, em “Tempos modernos”, torcendo pela milésima e triste mecânica vez os parafusos da máquina. Se eu fosse crítico de cinema poderia ver ali um sinal de metalinguagem. Mas o problema do pornô é justo esse. Mete-se tudo, menos linguagem.

Amor é inverno, sexo é tanta coisa e apenas mais um motivo para se passar um óleo de amêndoa no assunto, virá-lo de ponta-cabeça e sugerir que, devagarinho, pelas costas do Sexy Hot, se vá até a locadora e pegue um DVD de “Irreversível”. O filme, na maior parte do tempo uma experiência radical de câmera e violência, traz no seu umbigo, como contraponto de felicidade, uma das mais bonitas cenas de sexo da história do cinema.

Amor pode ser livro, mas sexo não é uma aula de educação física, como quer o Sexy Hot. Sexo, se tivesse uma cadeira, e é sempre bom que tenha uma por perto, não seria Anatomia. Sexo é Diplomacia. Se é que, desculpem, começo a cantar uma marchinha antiga de carnaval, estamos falando do mesmo gentil e determinado canudo.

Eu não sabia, foi a cinéfila cubista do Estação quem me contou e nela boto tudo que é malícia, picardia e fé: o casal rolando na cama de “Irreversível”, cuspindo com carinho as mais torpes fantasias do sexo oral na orelha do outro, é casado na vida real. Faz sentido. Nada daqueles esgares ridículos que mais parecem Jason, o carniceiro, pegando de jeito Carrie, a estranha. Nada de estocadas profundas e dolorosas. O chicote que estala na pele do casal de “Irreversível”, e daí nasce o erotismo da cena, a descoberta de novas zonas de prazer, uma diagonal molhadinha conectada do lóbulo ao quarto gomo do frontal, o chicote é o do verbo amoroso.

Os atores das pegadinhas do Sexy Hot dão a impressão, embora as atrizes dêem muito mais que só a impressão, que acabaram de se conhecer no estúdio. Não se beijam na boca no intervalo, muito menos durante, das cinco posições repetidas em todos os filmes. Confundem a relação com um festival de violência física. Sexo entre desconhecidos, gente que chega ao orgasmo sem se abraçar, é brochante. Mais triste, a língua está sempre no lugar errado, é o sexo mudo desses atores pornôs. Os homens acham que o “V” da vida é o Viagra. As mulheres acham que é vibrador. Eu já desconfiava e agora, depois de “Irresistível”, depois de ler as cartas de James Joyce para Nora, também não tenho mais dúvida e vos digo. O “V” que estala vigor de vida no sexo é o vibra-verbo dos amantes íntimos.

Você não precisa engolir pílula e emporcalhar o fígado de azul, não precisa comprar pilha radioativa e poluir o ecossistema. Basta jogar, dentro da orelha fria, como ensinava o jovem poeta morto, segredos de liquidificador – e agradecer a Deus pelo suco que vem, abre a boca que vem, desse chacoalhar divino de frutas.

James Joyce concorda. Distante da amada, o escritor dirige-lhe em cartas palavras que recuperam o jogo amoroso dos dois. Nada a ver com as experiências formais que ele andou fazendo em “Ulisses”. Joyce enche a boca e a mão de Nora com o verbo cru dos casais. Endurece o sussurro sem perder a ternura da intenção, essa saliência subversiva que põe nexo, graça e rima no encontro do côncavo e do convexo.

Joyce, sempre à frente de seu tempo, já sabia. Falo sem fala não é sexo. É só Sexy Hot.

(Publicado no livro “Em Busca do Borogodó Perdido”)

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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