Verso & Prosa

Um passeio fofo pela língua das mulheres

Postado por Simão Pessoa

Por Joaquim Ferreira dos Santos

Fofo! Tire essa palavra do repertório de uma mulher moderna e observe o que é um ser humano em completa solidão semântica. Impossibilitadas de continuar a frase, algumas desfalecerão. Outras, já nostálgicas de perda tão fabulosa, criarão olheiras, desenvolverão alergias múltiplas. Deprimidas, sem ver qualquer sentido em continuar nesta vida doravante chinfrim, as demais preferirão recolher-se ao claustro silencioso de algum monastério de noviças em Santa Teresa. De lá nunca mais sairão. Pra quê? Qual a graça? Senhoras de que destino?

Uma mulher feliz, e semanas atrás ao viajar com quatro delas contabilizei, uma mulher em estado pleno de felicidade com seus hormônios, a sensibilidade em total paz de espírito, uma mulher dessas, seja qual for o seu nível cultural, distribui em média sete dúzias de “que fofos!” num fim de semana. É científico. Só o ato de respirar rende números superiores quando se avaliam hábitos na estatística do cotidiano feminino. Proibida de expressar júbilo do jeito fofo que inventaram agora, nossas mulheres prefeririam retirar-se ao tal silêncio monástico. Dou-lhes razão.

Qual o sentido de caminhar pela vida, passariam a balbuciar já enclausuradas no monastério, se não podem anunciar ao mundo o maravilhoso espanto redondo daquela palavra que, na circunferência de seus dois “os”, parece reproduzir com perfeição gráfica o olho esbugalhado delas?

Como expressar alumbramento sem aquela redondilha vocabular entronizada na poesia do fofo? O que dizer diante de todo o universo sublime que cabe entre uma saia da Isabela Capeto e um bichinho de barro de Tiradentes? Que outro adjetivo para definir um gatinho espapaçado ao sol numa varanda do Cosme Velho?

Uma mulher separada da palavra “Fofo!”, ou “Que fofo!”, ou qualquer de seus derivativos como “Fofinho”, “Fofura” ou, como querem as mais radicais no uso do vocabulário feminino, “Que fofs!” – uma mulher privada dessa delícia que é ter uma palavrinha de uso comum da seita, uma mulher dessas é a tragédia grega no Fórum Ipanema. É Matisse sem azul. É Robinho sem pedalada. É Sinatra resfriado sem poder usar Benegripe. É de fazer TPM parecer pinto diante de tamanha angústia e atabalhoamento nervoso.

De tempos em tempos essas moças se agarram com alguma expressão favorita, quase um tique nervoso no jeito de conversar. Eu mesmo já as pintei outrora quando diziam, em uníssono, “Estou cho-ca-da!”, “Ninguém merece!”, “Não a-cre-di-to!”. Da mesma maneira que encasquetam agora em usar piercing como se sentissem saudade do cordão umbilical, inventam a cada estação a moda de um bordão que identifique a tribo, coisa que nem um Houaiss explica. Chegou a vez do “fofo”. Nada contra. Acho, inclusive, bem superior à barra da saia desnivelada e ao cachecol com blusa sem manga, outras de suas modas. Quem me dera fofo sê-lo e ouvi-lo ribombando, osculado, soprado como as boas fricativas labiodentais surdas são, dentro do meu universo auricular tão carente de elogiativos.

Pode ser que alguma leitora esteja neste momento vendo um risinho macho debochando no meu canto da boca. Juro que não. Confesso que não simpatizava, vão me desculpar, com a insistência vazia do “Fala sério!”, com a promessa de fofoca que antecedia o “Você não tem noção!”, modismos de dois anos atrás. Sei lá o que passou em mi alma.

Pode ter sido a terapia do amor companheiro a que venho me submetendo com certo êxito; talvez uma entrada de emergência no cardíaco do Copa d’Or, numa quinta-feira linda de sol, com suspeita de coisas tristes nas coronárias. Não sei. Chega uma hora em que é preciso conjugar a vida usando verbos só nas terminações afirmativas. Por isso dou força. Ponho simpatia se falo aqui da fala fofa delas lá. Antes abusar fofo que do feio frouxo.

Um homem, para ser dado tecnicamente como tal, deve não só evitar CDs de Barbra Streissand como preferir palavras de sonoridade rouca, como “carraspana”, “perrengue”, “garrucha”, coisas em rrrrrr, daquilo roxo, como um tigre em constante guerra também vocabular. Homem nostálgico, se os há, porque é do orgulho da espécie olhar para a frente, homem na acepção técnica do termo pede, no máximo, quando lhe vibra a saudade, a volta da escarradeira. O “que fofo!” é de uso exclusivo das forças femininas.

Por mais que simpatize com a causa, por mais que me interesse incorporar delas a sensibilidade e delicadeza com que tratam o existirmos, eu ainda não cheguei a ponto de quebrar em público todos os paradigmas da minha turma. Língua também tem sexo, é com ela que eu falo – e, como todos sabem, há muito preconceito quando esse falo entra em campo. Não uso fofo. Meus pares já assimilaram o brinco na orelha esquerda, a calça no meio da canela, até mesmo o peito depilado. Mas, vamos com calma.

Semana passada vi um blazer na vitrine da Richards. Um neurônio, impregnado pelo que andou ouvindo de minhas amigas, sussurrou com o outro. Fofo. Olhei para o lado, preocupado com alguma audiência que, de posse de tamanho trunfo, me denegriria para o resto dos tempos. Não havia ninguém. Voltei ao blazer na vitrine. Lã inglesa. Bem cortado. Gola de couro marrom. Realmente, tive de concordar – mas bem baixinho que eu não sou bobo e, vamos combinar, morre aqui entre a gente. Fofíssimo.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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