Boemia

A censura às baratas

Postado por Simão Pessoa

Por Dodô Azevedo

Como escrevi na perspectiva 2019, no futuro tudo será Pop & Arte. Principalmente nossa política. Sim, nossa política, que descobriu que para distrair o povo, bastava criar uma história chamativa. Enquanto todos olham para a história chamativa, pode-se agir por baixo dos panos.

Foi assim que, enquanto o Brasil discutia a polêmica do Rosa e Azul, deputados não-reeleitos pelo povo por representarem “a velha política”, foram colocados na equipe do novo governo federal, que se elegeu prometendo que traria uma “nova política” à Brasília.

Foi assim que, enquanto nos indignávamos com a censura à performance artística na Casa França-Brasil, o governador do Rio Wilson Witzel, eleito por representar “a nova política”, articulou a volta de Anthony Garotinho como articulador do governo estadual na ALERJ e com o PT para presidência da instituição.

Todos os protestos contra os governos que foram empossados há alguns dias estão, sem querer, servindo para distrairmo-nos do que importa.

Mas, fazer o quê? Nos abstermos de declarações de ministra que acabam, na prática, fornecendo munição para homicidas que perseguem LGBTIs no país onde mais se assassina LGBTIs no mundo?

A culpa do sucesso das cortinas de fumaça, seria, então, da imprensa, que ao invés de dar destaque aos meandros da política, tão bem esmiuçados por meus colegas colunistas do G1, insiste em destacar as historinhas chamativas?

Não creio. Penso que a culpa é do Pop. A culpa é da Arte.

Se colocássemos os meandros da economia nas capas dos jornais todos os dias, você estaria ainda interessado em comprá-los? Já a história da censura da performance artística, uma foto com uma mulher deitada no chão com baratas de plástico se aglomerando em volta do esgoto e de sua vagina. Nessa notícia você irá clicar, certo?

O problema não é o jornalismo. O problema somos nós. Eu e você. Estamos na era do clickbait. Um pulo no YouTube a observar os títulos dos vídeos lá disponíveis já dizem tudo. “Detonando Os Vingadores, Guerra Infinita!” – “Beltrano de tal humilha fulano de tal”. “Treta! Anitta responde ao ex-marido no Instagram!”.

O problema somos nós. A imprensa pode até ter formação na opinião pública. Mas nossa essência demasiado humana prevalece. Exemplo. Imagine uma cidade do velho oeste americano muitos séculos atrás. Apenas 1.200 moradores. Não há jornais, muito menos TV e Internet.

O que chamava atenção dos moradores? A notícia de algum conluio do Xerife da cidade com bandidos da vizinhança? Não. Uma esposa morta pelo marido que não aceitava a separação? Também não. Agora experimente gritar no meio da rua: “Gente, briga no bar do Saloon! É treta!” e toda cidade pararia para ver. Comentaria durante meses o assunto.

Somos assim. E por isso a importância da arte. Para o bem e para o mal. Há a arte que veio para nos distrair e há a arte feita para nos fazer mais conscientes. Mas, e mais uma vez, esbarramos em mais uma fraqueza humana. Preferimos nos distrair a estarmos mais conscientes. Por isso, em geral, optamos pela arte inofensiva. Fraqueza e medo de saber melhor do mundo. Ignorância, essa benção.

Dorme mais tranquilo o fã do torturador que enfiou baratas vivas na vagina de uma mulher do que os artistas que em solidariedade à vítima preparam uma performance com baratas de mentira.

Por isso, por mais que corra o risco de alimentar cortinas de fumaça, a arte seguirá procurando tirar o seu sono.

Em “Matrix”, filme Pop, filme Arte, Morpheus (uma referência ao deus do sonho na mitologia grega) oferece ao herói, Neo, uma pílula azul e outra vermelha.

Morpheus diz: se você escolher a pílula azul, vai continuar a sua falsa vida, acordar em sua cama e acreditar no que quiser. Se tomar a pílula vermelha, você conhecerá a verdade, nada mais que a verdade. Mas a escolha tem que ser sua.

Neo escolhe a pílula vermelha, descobre que era um escravo do sistema, e sua vida passa a ser muito mais difícil. E sua vida passa a ser muito mais heroica.

A pílula vermelha. Iniciei a última coluna informando que a palavra “Brasil” quer dizer “vermelho”, em Tupi-Guarani, os brasileiros originais. Mais precisamente “vermelho em brasa”. Já a palavra “azul” tem origem Persa. De uma pedra de brilho sedutor chamada Lazúli.

Só a arte nos oferece uma escolha entre as duas alternativas. A bênção da ignorância ou vida difícil de um ser consciente. A verdade ou a mentira.

Nesse país onde até as baratas que são censuradas são as de mentira. O azul ou o vermelho. O brilho sedutor ou o Brasil.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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