Boemia

A cerveja de butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Já vi muita gente rir na mesa dizendo que é mentira e coisa e tal, que eu inventei só para passar a hora, parecer engraçado ou bom de papo, essas coisas, mas eu tinha um tio que guardava o que sobrava da cerveja com uma colher no gargalo para não perder o gás.

Quase todo butiquim de subúrbio (ou periferia, se preferir) só serve cerveja em garrafa de seiscentos emieles, o que dá para encher todos os copos de uma mesa cheia de vagabundo. O chope é mais leve, tem o creme, o colarinho, mas a cerveja tem o seu valor. E aí começa o problema: o esperto que acha que manja da gelada, o tal do “deixa comigo”.

Lá vou eu mudar de assunto, mas o que eu já vi de neguinho fazendo acrobacia para saber se o uísque é verdadeiro é uma loucura. O cara esfrega no pulso, vira três vezes a garrafa para ver se faz espuma cor de iodo, traz a lupa porque tem um número de série no fundo e ele tem uma dica de um distribuidor amigo do vizinho. O bar, em silêncio, espera o veredicto. Depois some três dias de ressaca, processa o Paraguai e abre uma gastrite.

Tive que abrir esse parágrafo porque na cerveja é a mesma coisa: o garçom chega e o “deixa comigo” passa o dedo médio embaixo da garrafa, testa a temperatura da chapinha (ou tampinha) antes de abrir, grita, pega em cima e, às vezes, dá o vexame de conferir a validade, “Porque eu não tô aqui pra levar gato por lebre”. No fim ainda vira o copo americano porque detesta espuma, faz bigode. Isso quando não pede para deixar um pouco com a torneira aberta, na pia, porque assim não congela.

Fica procurando promoção em algum cartaz pendurado nas paredes e, na hora de ir embora, ainda tem a coragem de pedir para embrulhar uma (repetindo!), uma cerveja pra viagem, para beber na janta. Sinceramente…

Agora você me pergunta: e aí, como é que se faz para saber se a cerveja está bebível? É simples: você chega no balcão e consulta o patrão:

– Ô Ernesto faltou luz na região ontem ou hoje? Não? Então me dá uma bem gelada. Tira lá do fundo.

Pronto já dei uma de “deixa comigo”.

Por falar em patrão, você já tentou trocar cheque com um dono de butiquim? Aguarde.

Papo reto com Tia Surica

Minha amiga daquelas de um visitar a casa do outro, mora numa vila perto da quadra da Portela. Com seu prestígio, conseguiu levar as pastoras da escola para cantar comigo um samba num festival da TV Globo. Depois fizemos mais shows juntos. Costuma me chamar de “já gasto”, e eu fico feliz. Quando me convida para comer a feijoada feita por ela no cafofo, com a couve cortada mais grossa um pouquinho, só saio de lá carregado.

Você é como o Zeca Pagodinho, que tem essa história de só beber Brahma?

Gosto de outra marca, mas quando já estou bicuda vai qualquer coisa.

Mas e se você está no interior do Acre e só tem uma birosca?

Meu amigo, se for daqueles dias de enfiar o pé no jacá, birosca já é luxo!

O copo de geleia tem o seu valor?

Não ligo pra copo. O de geleia é bom, mas sem geleia dentro.

Você conhece algum macete pra não congelar a cerveja na mão?

Eu gosto de fazer cosquinha embaixo dela, no bumbum da garrafa. É tiro e queda, não congela.

Você tem um horário preferido para começar a beber uma gelada?

Tá me chamando de pinguça, menino? Agora, se estou a fim, não tem frio, primavera, segunda-feira, manhã, tarde ou noite… Só depende da disposição.

No meio da feijoada, é pior acabar a feijoada ou a cerveja?

O que não pode faltar é a cerveja. No feijão, você põe mais água, faz caldinho, que dá certo. Já aconteceu de entupir de gente numa feijoada aqui em casa e no fim, para nós, as cozinheiras, só sobrou couve. Jogamos um ovo em cima e ficou maravilhoso!

Você entra num butiquim de subúrbio bem escondidinho, mas um fã a reconhece, empurra no seu copo uma cerveja de baixa reputação e ainda deixa duas pagas. Como é que você se livra dessa?

Só de ele pagar já sou grata. Se for naquele mês em que ainda estou dura igual coco, então! Cavalo dado não se olha idade.

E você acha que a cerveja irrita as cordas vocais antes de começar um show?

Comigo, não, Se eu beber quente é que fico afônica. Agora, eu também não me enxáguo antes. Uma cerveja gelada pra mim até limpa as cordas vocais. O resto é rezar pra São Braz.

Pra quem você tira o chapéu com o copo na mão?

Meu filho, eu tiro o chapéu pra você!

E contra a ressaca, você faz o que?

Bebo um copo de água gelada e digo que nunca mais vou beber de novo…

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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