Por Moacyr Luz
Tropecei em vários assuntos para chegar no butiquim. Vendo tudo dobrado, com a lembrança sem colarinho, meio moela, meio sardinha de balcão, pensei nas grandes mancadas que um sujeito comete quando entra num bar.
Não vou falar de mancadas para você aprender a evitar, até porque, se o camarada resolve entrar cheio de banca, com um andar de passista de desfile militar, o paletó por detrás, enganchado no nó do dedo, ele dança. Porque sai cutucando a pessoa na altura da vesícula (e só um pé-de-cana sabe o quanto dói ser cutucado na vesícula), fala cuspindo, chama o garçom com um assobio, ri para a mulher do outro, pede licença para dar uma opinião e não termina nunca e, por fim, ainda volta do banheiro com a mão suja e cutuca novamente a remendada vesícula. Acabei me perdendo, errando a fechadura, e não contei o que queria: cuidado com o que você vai falar.
Uma vez, no Bar da Maria, fui apresentado a um novo companheiro, chegado naquela manhã de Miami. Era muito simpático, coisa e tal, e cismei de querer exaltar o grande herói do bar: Ernesto, o homem que bateu na sogra.
– O cara é o máximo! – eu insistia. – Cadê o Ernesto que não chega? Procurem aquele safado…
De repente, dobrando a esquina, ainda com o braço enfaixado da pancadaria, vinha crescendo o Ernesto.
A galera em torcida organizada levantou para receber o destemido, o único, o absoluto.
Ernesto entrou e emudeceu diante do rapaz.
Querendo fazer as honras do bar, comecei:
– Esse é o Ernesto, nosso herói, o homem que bateu…
Nem deu tempo. Escutei aquela voz grave. Era meu cunhado. Silêncio geral.
Fiz as contas. Cunhado, genro, tio-avô e era aquilo mesmo: a sogra do Ernesto era a mãe do visitante.
Calei a boca para sempre e acho que o rapaz voltou para os States.
Na próxima, eu falo de como evitar gordura na batata frita.
Papo reto com o cartunista Lan
Um italiano que tem cinquenta anos de Rio de Janeiro, torce pelo Flamengo e pela Portela desde 1953, só pode ser carioca. E é nessa função que ele desenhou – e continua a desenhar – as mais belas mulatas, os mais importantes sambistas do Brasil. Foi uma grande emoção ter no disco de poemas sobre a cidade que gravei (“A Sedução Carioca do Poeta Brasileiro”) a capa desenhada por ele. Lan transformou o CD num cartão postal carioca.
Você tem quantos anos de butiquim?
Sessenta, mais ou menos.
Sempre foi proibido falar de religião, política e futebol?
Nos butiquins que eu frequentei, nunca houve isso. E tem mais uma coisa: eu sempre achei que a conversa de butiquim é onde a gente se sente muito mais genial, mais inteligente. O papo de butiquim é uma malhação do cérebro, na verdade. Assim como o camarada fica levantando peso, um grande esforço, essas coisas, é você batendo papo e, quanto mais controvertido seja o tema, mais exige de você uma defesa dos seus argumentos. Aí você se sente brilhante.
Como se livrar de uma conversa chata?
Olha, teve um lance maravilhoso do Miele, no Pujol. Eu estava presente e ele, brilhante, contava suas piadas. Estava o Bôscoli, também. Fim do show, eles na mesa tomando um uísque e aí um “amigável” chato põe aquela mão no ombro e começa: “Você é genial! Maravilhoso! Conta uma piada aí, conta… Aquela do japonês…”. O Miele levantou e disse: “Olha, você fica aqui que eu vou pra puta que o pariu!”
Já apostou a mulher?
Mulher, eu não aposto de jeito nenhum, nem pra dar, nem pra ter, nem pra conquistar…
Cite um sujeito bom de papo, cheio de histórias interessantes?
Monarco. Acho o Monarco um dos caras mais brilhantes que tem por aí.
Qual é a hora do “mudando de conversa”?
Me lembro do Aluísio Salles, um cara da alta, no Antonio’s… Lá pelas cinco, ele, que não tinha sono, desesperado e já aturando os bêbados, se saía com uma frase: “E a Guerra do Vietnã, hein?…”. Dava uma controvérsia danada e todo mundo ia embora.
Que mulher hoje faria o bar parar um assunto?
Meu querido, mulher pára qualquer assunto aqui no Rio de Janeiro. Não preciso lhe dizer o nome de uma. Entra uma bela de uma mulata de bunda arredondada e peito assim e assado e todo mundo pára a conversa na hora.
Qual a sua dica para curar ressaca?
Quando bebo com amigos, dificilmente pego porre. Mas, quando lembro, tomo uma colher de azeite extravirgem, que lubrifica as paredes do estômago. Um doutor me disse que o álcool entra na corrente sanguínea e vai pro cérebro, derretendo tudo. O negócio é proteger para não entrar na corrente sanguínea.
Você também acha que, com meia hora, qualquer sujeito vira amigo íntimo?
Olha, só te digo uma coisa: butiquim foi sempre o ambiente ideal pra você criar amigos. Às vezes, um camarada que você nem conhece vai com a tua cara, você vai com a dele, e ficam bebendo o resto da noite… Já me aconteceu isso. Quantos porres eu peguei quando era solteiro com caras que eu nem conhecia… Eu sentia: “Do caramba!” Quando o cara era Flamengo, então…
Existe uma tática para se fingir que está ouvindo uma conversa fiada?
Sou mestre nisso! Aprendi nas aulas de latim. Eu e meu irmão tínhamos a capacidade de fazer cara de quem estava prestando atenção… Sabe como se faz? Franze-se a cara como se estivesse olhando pro sol, o olho cerrado… É infalível…