Boemia

A mosca de botequim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Na verdade, esta crônica deveria se chamar “Às moscas”, mas um amigo que me acompanha sempre nessas aventuras geo-etílicas, entrando certa vez num bar quase fim de carreira, garantiu-me que o lugar estava “à mosca”:

– O que tem aqui pra se comer só dá pra uma! – argumentou.

Assim, começamos a usar como senha o termo “à mosca”.

E tem mais, sem fugir do balcão: mosca também é alvo, mas é preciso entender. Quando o sujeito diz que acertou na mosca, cabe a pergunta: “Mas foi na mosca a certa?”

Feito o mote, esse inseto que cisma de pousar em sopa nas piores horas é um ser fundamental nos grandes e reais pés-sujos que se prezem.

Dizem os antigos que fulano levava uma mosca na caixa de fósforos e, quando da canja só tinha o osso da asa, botava a bichinha para nadar, chamava o garçom com a cara mais lavada, quer dizer, mas lambuzada, mostrando, engasgado, o ocorrido:

– Aonde vamos parar?

Conta resolvida, reservava duas baratas francesinhas para o jantar.

Lembro de um bar da Zona Sul que chegou a mudar de nome, tantos eram os tapas dados nas moscas para afastá-las do salgadinho. Depois, descobriu-se que a mosca servia para avisar a um distraído que esquecesse aquela sardinha da vitrine e voltasse, mais protegido, às azeitonas no vidro embaçado.

O português não liga: usa o pano de prato no ombro para secar as mãos quando conta dinheiro e, às vezes, bate no mármore para afastar o bando que cisma em contornar o traçado do Ernesto. Traçado este que varia quando o humor também altera a voz. Naquele dia ele estava feliz, acertou o duque de dezena combinado e pediu, na mistura: metade cachaça, metade mel.

E partiu do Ernesto, habilidoso em novidades, a grande solução para espantar as infelizes dos copos, dos jilós, dos ouvidos e da testa, quando o suor não vem só do calor da rua. Como se fosse pregar bandeirinhas de festa junina, ele subiu no balcão, encostou perto do Cosme & Damião, pediu licença e, no parafuso esquecido da única reforma, amarrou um barbante, cruzando-o até a outra extremidade, acima da tradicional placa de “Proibido Batucar ou Portar Instrumentos Sonoros”.

Banhado no seu próprio traçado, que o português ignorando, anotou no caderninho, o barbante esticado foi transformando-se num varal de moscas que saíam de canto do bar, de dentro de garrafas vazias, do soro de um vencido queijo parmesão e até da baba do quiabo que um desavisado comia vendo a tevê encardida.

Dizem que moscas de toda a cidade ainda rondam o varal, viciadas no mel. A cidade desses butiquins, a única cidade.

Papo reto com Chico Caruso

Falar do Chico como apresentação de um artista em pleno século XXI é brincadeira. Sua voz inconfundível e caricaturas perfeitas construíram um novo conceito no visual do Jornal nacional. Somos amigos de frequentar a casa um do outro. Tem um samba que canto sempre como auto-homenagem aos nossos porres eventuais: “Pra que pedir perdão?”. É muita vaidade minha, mas ele sabe a letra de cor.

O que você acha mais difícil desenhar: uma mosca ou uma barata?

A mosca. É um cérebro com asas e, por ser menor, acaba sendo mais difícil.

E já encarou alguma num butiquim?

Fica aquela história de “é ela ou eu”!

Já desistiu do estabelecimento quando viu o bar às moscas?

Às vezes, pra começar os trabalhos, chope fresco, aquele clima dos instrumentos afinando, nada como um bar às moscas.

E quando vê moscas no bar? O que você faz?

Desisto na hora. Mas preciso mudar de bicho rapidamente neste papo para contar uma boa. Eu estava com o Jorge de Sales, pintor, num bar perto da Sala Cecília Meireles. Havia uma grande confusão por causa das obras do Metrô. De repente, um rato saltou do ventilador e caiu na feijoada de um cliente. Foi aquele espanto, asco geral, e o português gritou: “Este não é daqui, é do Metrô, é do Metrô!”

Você acredita que é real a lenda do sujeito que leva moscas numa caixinha pra comer de graça?

Tem até domadores de pulga que levam as colegas para um drinque. Certa vez, um amigo íntimo levou um grampo em forma de barata pro restaurante e, no fim do jantar, apontou pro prato na frente do gerente, querendo indenização.

Fale sobre uma mosca inesquecível…

Meu amigo, esses casos são inesquecíveis… Tem gente que leva mosca pro avião pra processar a companhia com a bichinha no prato.

Você acha justo um licor italiano colocar grãos de café no copo e chamar de mosca?

Na grapa tem isso, mas é uma questão de química: o grão queima no flambado e dá sabor. Agora, se é bonito chamar de mosca, é de cada um. O compositor Paulinho Moska tirou o Paulinho e deixou o Moska, achou mais bonito.

Poderia indicar uma receita pra curar ressaca?

A primeira coisa nesse caso é dar continuidade. Bebe logo outra cerveja.

Já imaginou: o Jornal Nacional em pleno ar quando uma mosca resolve voar sobre a testa do apresentador… isto é possível?

Acho que já aconteceu, impossível vai ser apresentar o jornal.

Em alguns casos é melhor encarar uma mosca voando a um bêbado desavisado?

Meu amigo, o chato é uma mosca de 1m80!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment