Por Moacyr Luz
Nos tempos do preconceito, mulher não entrava em butiquim, nem implorando ao São Jorge da parede. Cigarro só pedia ao menino atrás do balcão, mas do lado de fora, da calçada mesmo, para não criar intimidade. Às vezes, se permitia à filha mais velha do amigo íntimo pedir uma bananada e, mesmo assim, para, na saída, vir com a frase feita: “Como fulana desenvolveu, espichou, hein!”
Acontecia de a esposa passar do outro lado da rua, acenar de longe e o sujeito levantar autoritário da mesa, sorrir dono da situação e ir até a borda da entrada acompanhar, no olhar, a chegada até o portão. Já houve casos de falecimento em que a patroa só foi falar horas depois, intimidada com as regras estabelecidas pelo marido nessa relação mulher-butiquim.
Mas, lembrando um antigo anúncio de absorvente, toda regra tem exceção. Ernesto, idealista do casal “unidos para sempre”, na alegria e na tristeza, enfrentou três tossidos maldosos e sentou-se à mesa do canto com a mãe dos seus filhos. E aí cabe um parêntese: todo butiquim que se preza tem sempre uma mesa, bem no canto, onde só senta no máximo uma pessoa. É o aposentado antigo do bairro, um gerente que perdeu o cargo numa fusão financeira, um solitário, enfim.
Bebe sempre a mesma medida de cerveja e, na saída, fecha a conta com dois maços de cigarro. Despede-se com um grunhido e sai triscado para o dia seguinte.
Voltemos, porém, à nossa história. Ernesto chegou, sorriso amarelo, ninguém o cumprimentou e ele sentou, suando nas axilas, com a esposa, que se fumasse usaria piteira, tamanha a banca.
Na segunda latinha (ele preferiu latinha para não esquentar, porque mulher bebe devagar), sua senhora pediu para ir ao toalete e o silêncio foi geral: o bar só tinha uma vala feita de azulejos amarelecidos onde se urinava sobre as guimbas desfiadas. Lembraram do vaso do banheiro dos fundos, da chave presa num cabo antigo de vassoura e da total impossibilidade de se respirar, por um instante sequer, naquele cubículo. O português fez cara de fastio e o ajudante, que mais parecia feijoada de pobre (só tinha orelha), arregalou os olhos de espanto: Fazer o quê?!
Bem, para encurtar o constrangimento, improvisaram uma lata de vinte litros já usada outras vezes para cozinhar mexilhões e a famosa paredinha com os olhos cerrados na histérica patroa de nariz empinado. A moral já estava escrita. Ernesto nunca mais apareceu e na primeira reforma do bar incluíram o pedido banheiro feminino com bolsinha e tudo na plaqueta de galalite.
Isso é banheiro de birosca. Já encarou um?
Papo reto com Heloisa Seixas
A Heloisa tem uma página no Jornal do Brasil chamada Contos mínimos. Eu lia a delicadeza com que ela tratava pequenos objetos, detalhes, adjetivos de emoção e me imaginava distante, um homem apegado às gorduras, às sandálias, ao pé-sujo. Num domingo em que a vida me fez estar longe da cidade, tocou o celular, então compra recente. Era um amigo dizendo que eu estava nos Contos mínimos. Foram ligações durante o dia todo. Considero-me um amigo dessa bela escritora, com quem sempre encontro na saída do Cordão da Bola Preta, uma resistência do carnaval.
Existe um equivalente masculino para a frase “lugar de mulher é na cozinha”?
Só rindo… Seria “lugar de homem é no butiquim”, mas as feministas não vão gostar. Agora, as feministas se enganam muito. Hoje são poucas, a gente chama de feministas do papo-amarelo. As mulheres continuam com a barriga no tanque, só que agora trabalham pra fora.
Já notou alguma má vontade do português em servir uma mesa só de mulheres?
Já. Em qualquer restaurante, mesa só de mulheres é sempre mal servida.
Você acha que o garçom faz um diferencial atencioso quando anota um pedido feminino?
Geralmente continua tratando mal. Agora, se é um lugar que você já frequenta, ele trata igual a um homem, por acaso.
E o banheiro feminino em butiquim?
Olha, nem as feministas conseguiram acabar com a história da chave e eu acho isso uma maravilha: pedir pra ir ao banheiro e pegar a chave. Mas quando acontecem essas concentrações de rua, as mulheres invadem até o banheiro dos homens. Já viu como fica o Amarelinho? Até porque, por questão técnica, a mulher demora mais. Isso é incontornável.
Já entrou em algum banheiro errado, tamanha a dificuldade de entender a placa indicativa?
Sem dúvida. Essa coisa moderna mata. Nada como um bom H ou M pra você se localizar. Pior é que estão surgindo banheiros mistos. Sei lá…
A conversa muda descaradamente quando chega uma mulher na mesa do bar?
Vocês é que podem responder essa pergunta.
Esse negócio de torpedo em boate também existe em boteco?
Não sou grande frequentadora de butiquim, embora adore, mas deve ter também.
Cite um tira-gosto bem típico de mulher…
Eu, por exemplo, gosto de baixa gastronomia.
A mulher de hoje está com mais sede ou perdeu a timidez em butiquim?
Esse é o lado bom do feminismo, bebendo mais, batendo com o carro mais. Tudo mais…
Mesmo que não sofra, você tem alguma receita pra curar ressaca?
Eu não acredito nessa história de beber uma de manhã pra melhorar, não. Sou mais ficar de molho.