Boemia

A padaria e o butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

É preciso gelo e copo longo para se poder entender com calma a discussão padaria & butiquim, duas instituições que preenchem vazios alimentares e etílicos e que, às vezes, trocam suas funções sem a menor cerimônia. Até achava que fazer amigo íntimo em padaria só seria útil para as insônias eventuais que um sujeito vive quando, além dos preços na parede, outros bichos alimentam a própria visão subindo no anúncio de que as mercadorias expostas são para uso exclusivo da casa. E, cá para nós, vale a pergunta: aquele melão sustentado no prego por um saco em formato de renda, bem amarelecido, é para o padeiro comer?

Mas passando a manteiga na banda canoa sem miolo que o Ernesto sempre come quando pressente a grande tempestade etílica que se anuncia, existem butiquins que não servem nem azeitona em saquinho, daquelas transgênicas, que conseguem ter um caroço maior que a polpa e fazem o sujeito perder o provisório definitivo na primeira mordida. Pois é, nem essa fruta da oliveira que aguça qualquer aguardente de valor é servida no balcão.

O local já é conhecido como Sem Mosca, porque garantem não haver qualquer resíduo que interesse ao inseto íntimo das sardinhas de feira que percorrem a área. Nem a gordura que será herança nos azulejos, nem a cozinheira mal-humorada que nunca riu em vinte anos de trabalho para não dar intimidade, nada; tremoços, jiló passado, cebola em conserva, fácil de servir. Nada.

De bom, o bar tem a localização: fica a cinquenta metros da sua casa. Dá para ir de bermuda e sem camisa, porque está dando quarenta graus no termômetro da esquina. E foi por isso que o Ernesto lembrou de cara do local para rever um velho conhecido dos tempos em que frequentava a Colônia de Férias do emprego. Único amigo que ele aceitava vê-lo sem roupa no vestiário da pelada. Anos passados e ele foi marcar o encontro logo na espelunca do português.

Chegou, pediu para botar uma mesinha do lado de fora com a desculpa do calor, trouxe de casa uma toalha limpa e olhou para a padaria. Lembrou dos salames fatiados, dos frios diversos, do frango assado perfumando todo o entorno e, em dez minutos, estava tudo exposto em bandejinhas de isopor na mesa que, de tão arrumada, mais parecia esses cafés que disfarçam o tédio dos seminários em hotel.

O sorriso estava escancarado esperando a visita, quando o português saltou da caixa registradora cuspindo fogo:

– Tás pensando que meu bar é salão de festa para só usares as mesas?

Foi nesse momento em que nasceu a turma da padaria, no canto do melão, das frutas que viraram batidas, das mortadelas, novas em fartas porções caprichadas. Que turma, que turma!

Papo reto com Paulo César Vasconcelos

Meus primeiros momentos com o Paulo sempre foram a distância. Ele no Bracarense, falando de futebol com o chope na mão. Também havia outra maneira de vê-lo: pela tevê, sempre com a blusa de malha por baixo da camisa de manga comprida, novamente falando de futebol, mas sem o chope na mão. Um dia fiquei feliz de ver essa bela figura assistindo a um show meu no Mistura Fina. Aí ficamos amigos, de falar de futebol e de música – os dois com o chope na mão.

Já tomou algum porre em padaria?

O porre que eu tomei foi no Rio. Começou no Tivoli Park, com o Orlando Orfei e sua peruca, e fomos amanhecer numa padaria da Gávea. Nós, sujos, vindos de uma pelada e os senhores comprando os seus pães franceses.

Pelo seu trabalho, acha que pega mal tomar a saideira na padaria, com a fila toda comprando pão, leite, e você abrindo uma gelada?

Convém você ficar escondido no fundo do balcão. O que acontece é que, se passar uma amiga da sua mãe, ela vai dizer: “Dona Ediméia com tanto trabalho pra esse menino…” Agora, se for amiga da sua mulher: “Fulano virou um Vadinho! Absurdo!”

Nas viagens, você prefere pedir o salaminho da padaria a encarar um butiquim pé-sujo?

As duas coisas têm o seu lugar. A sardinha de balcão vira o seu almoço e o salaminho da padaria, o jantar. Os dois são indispensáveis na alma do ser humano.

Sabia que em São Paulo é mania beber na padaria?

Olha, tem algumas coisas que estão me preocupando. Já tem um tempo que trabalho em São Paulo e já estranhava as pessoas saindo pela porta da frente dos ônibus. Essa moda veio pro Rio, só falta agora beber em padaria…

Dá pra fazer amigo íntimo na fila diária da padaria?

Amigo íntimo, só em butiquim, e com a solidariedade do cotovelo. Aliás, não se conversa em butiquim com o sujeito que pede o chope e vai pra calçada beber…

Você sabe decorado algum telefone de padaria ou de butiquim?

Só de butiquim. E te digo: carinhosamente, de cor, só o Bracarense.

Algum padeiro o chama pelo nome quando você encosta no balcão pedindo peito de peru light?

Nenhum. E digo mais: peru light não está entre as minhas prioridades.

Saberia me explicar por que o presunto é sempre pedido em peso inteiro, tipo 300 gramas, meio quilo, coisa e tal, e a mortadela é sempre fracionada: 150, 250 gramas, por exemplo?

Acho que isso é coisa de lusitano, é pra rebaixar a mortadela, embora eu entenda mesmo é de pernil na gordura com um limão em cima.

Tem alguma dica contra a ressaca?

Minha dica é tomar uma pra enganar o organismo. E pra ele pensar que você é saudável, beba também um suco de graviola do Balada Sucos.

Não é impressionante como todos os frangos de padaria têm o mesmo tamanho?

O mesmo tamanho e o mesmo sabor. Eu ainda prefiro ele na forma de empada no boteco.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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