Por Moacyr Luz
O sujeito que bate na mesa para dizer “não tenho medo de mulher” nunca encarou uma saideira profissional. Saideira que inclui água no sapato, porta arriada e o dono distribuindo chope por cima do barril, pouco se lixando se alguém vai pagar, se os garçons estão com o nome da mãe na boca do sapo, se a morena resolveu entrar no banheiro masculino…
A verdadeira saideira começa ao meio-dia, quando você sente no primeiro copo que aquele dia promete. Ela desce fazendo carinho na garganta, sem voltar uma gota no nariz – a espuma chegou inteira no fundo do chinite – e, antes de pedir o segundo, aparece o amigo íntimo, que resolveu emendar na segunda o feriado da sexta.
Nesse caso todo santo ajuda. A carne-assada acabou de sair, o banheiro está cheirando a eucalipto, limão descascado e três bolinhas de naftalina. O garçom avisa que fulano, o mais chato da redondeza e que costuma tomar uma antes do almoço, pegou uma virose daquelas, está base de antibiótico e tão cedo não aparece. Enfim, uma maravilha.
Aí você olha para o relógio e não acredita:
– Nem três horas! Um manjar…
Na verdade, quando eu digo que todo santo gosta de bêbado, estou incluindo proteção contra bicicleta na contramão, degrau de escada, prego enferrujado, teto rebaixado, gonorreia e o escambau. Não acontece nada. Ainda mais que tudo se encaminha para uma bela saideira.
Tive um cunhado que se enrolou numa saideira e perdeu o casamento no civil. O negócio é sério
No auge da saideira – “três com a conta e um traçado, e faz para o beltrano uma caipira coada” – parece que o mundo faz silêncio para ver até onde vai essa efeméride. Não passa um carro rua, não venta, não chove, nada além de um grito:
– A saideira!
Já percebeu que butiquim não tem relógio de carrilhão? Pois é, você só vai notar que passa três da manhã quando, com a chave na fechadura, sua mulher abre a porta primeiro.
Se prepara para chorar, porque o sermão tem pontuação e conjugação perfeita: não erra um plural, um sujeito oculto. E tudo na cara.
Chora como fazia Ernesto, o barman, largando o medidor. Conheceu? Não?
Papo reto com Haroldo Costa
O Haroldo é aquela personalidade brasileira que ronda o nosso cotidiano com sua voz nas madrugadas dos desfiles das escolas de samba. Salgueirense apaixonado, escreveu um livro sobre a agremiação que quase me fez virar a casaca, logo eu, mangueirense. Um sujeito que fez Orfeu da Conceição no Theatro Municipal e cinquenta anos depois permanece atuando como um pensador da cidade e ainda gosta de chope na pressão merece respeito.
Você já teve uma saideira que durou mais de 24 horas?
Pior que já, mas foi numa festa particular. Às duas da manhã, a festa quase acabando, começou a chegar gente trazendo mais bebidas. Foi acabar meio-dia e meia!
O sujeito sai pra comprar uma bisnaga e só volta no dia seguinte. Isto acontece mesmo?
Não sei se você sabe, mas uma vez o nosso Ciro Monteiro desceu para comprar cigarros enquanto a esposa preparava um jiló e só voltou três dias depois – e com o Vinicius de Moraes debaixo do braço.
Quem você considera imbatível na saideira?
O Albino Pinheiro sempre foi imbatível. Até hoje não encontrei substituto.
O que deve fazer um garçom diante do pedido de uma saideira?
Na saideira, o bom garçom não reclama, sai servindo!
Qual é a sua bebida favorita?
Como um bom carioca, tendo chope, tá tudo certo.
Tem alguma receita pra curar ressaca?
Olha, eu tinha uma tia que era chegada a um copo que me dizia para quando acordar de ressaca, beber novamente. Beber porque o metabolismo tem que continuar.
A mulher ideal é aquela que reconhece uma saideira e perdoa o companheiro?
Completamente. A mulher ideal tem que ter essa qualidade: saber perdoar!
Em que momento você percebe que a bebida está caindo bem e que aquele dia promete?
Todo dia! Se você bebe a primeira e sente que desceu legal na garganta, já pressente: hoje tem!
A violência está fazendo os bares fecharem mais cedo. Você tem levado a saideira para dentro de casa?
É possível que sim, porque ninguém vai deixar de beber por causa disso, e também porque ninguém vai morrer porque estava bebendo.
Agora, uma pergunta pessoal: como é que você aguenta dois dias seguidos comentando o desfile das escolas de samba? E a seco?
Infelizmente, sem beber. Meu carnaval começa antes. Paro de beber no sábado, fico mudo o dia todo e levo essa abstinência até a quarta-feira de cinzas. Agora, na quinta, meu irmão, se segura! Se o Salgueiro ganhar, então…