Por Jaguar
Quando morei na Lapa, na rua Taylor, ia lá quase todas as noites, muitas vezes com Madame Satã, quando não tomava a canja do Capela, era a sopa de feijão da Adega. Eu ia a pé, agora que voltei para a zona sul ficou meio fora de mão. De vez em quando me bate a saudade da sopa de feijão – estou salivando só de pensar nela, dia desses volto lá.
Tem gente que adora a feijoada à portuguesa, da Adega, com feijão-manteiga, o bacalhau à espanhola, cozido com molho de tomate, cebola e pimentão, e o bolinho de bacalhau entra fácil no ranking dos dez melhores do Rio. Os pratos são fartamente servidos, dão e sobram para duas pessoas. Mas o meu negócio lá é a sopa de feijão.
Em alguns lugares, por mais que me ofereçam outras iguarias, peço sempre o mesmo prato, como as almôndegas do bar da dona Maria, na Tijuca, o bolo de carne do Brasil, a carne assada ao molho ferrugem do Filé de Ouro, o picadinho da dona Lourdes, no Escondidinho, pra não falar na sopa de cebola do saudoso Le Rond Point, em Copacabana. Antônio Maria teve um enfarte fulminante e morreu na porta do restaurante, depois de saborear sua última sopa de cebola. Mesmo assim continuei insistindo na pedida fatídica até o Round Point acabar.
Um mistério: nunca entendi por que a Adega não serve pão aos seus clientes. Quem, como eu, é maníaco por sopas, sabe que sopa sem pão é o mesmo que Romeu sem Julieta, ou seja, goiabada sem queijo. Cansei de perguntar ao garçom o motivo, ouvi respostas evasivas tipo “é a norma da casa”. O jeito é passar ante na padaria que fica ao lado da igreja, na rua da Lapa, quase na esquina da Teotônio Regadas, e comprar uma bisnaga, que desembrulho depois de pedir minha sopa, atraindo olhares de inveja das mesas vizinhas.
Outro charme do lugar é o vinho da casa, da Vinícola Aurora, servido em frascos. Desce redondinho e é uma boa pedida antes da chegada do verão.
O maior pintor brasileiro, Cândido Portinari, morou no sobrado em cima da Adega, que antes foi uma mercearia. Aproveitando a ensancha oportunosa, como diria Stanislaw Ponte Preta, vale lembrar que, há mais de 60 anos, Ivan Lessa entrou de parceiro num quadro do pintor. Seguinte: Elsie Lessa, mãe de Ivan, estava de visita ao ateliê quando notou, em pânico, que o peralta, então com uns 10 anos, tinha pintado um sol amarelão numa tela inacabada do gênio de Brodowski. Portinari tratou de acalmá-la: “Vou deixar ficar o sol do Ivan, ficou ótimo; criança pinta muito melhor que adulto.”
Mas, voltando á Adega, Nilton Bravo, o maior pintor de parede de botequim do Rio, assinou o mural à direita de quem entra. É um dos últimos Bravos (parece título de filme de faroeste).
E a Adega Flor de Coimbra, “a mais antiga do Rio” (está escrito no letreiro pendurado na porta), é uma ilha de paz calma no meio do tumulto da cidade.
Desde que você não desobedeça outra norma da casa, escrita no cardápio: “aqui é proibido beijos ousados”.
Adega Flor de Coimbra. Rua Teotônio Regadas, 34. Lapa. Tel. 232-6886. De segunda a sábado, das 11 da manhã à meia-noite.