Por Jaguar
“Mudara a Adega Pérola ou mudei eu?”, perguntei aos meus botões.
– Na última vez em que estive aqui – disse ao seu Francisco, um dos cinco irmãos que comandam a casa – o balcão era à direita de quem entra.
– Então o senhor não vem aqui há mais de onze anos – disse seu Francisco enquanto me servia uma porção de linguiça ao vinho, uma das especialidades da Adega que, felizmente, não mudou. Com um chope muito bem tirado, outra novidade.
Onze anos é uma eternidade, quase três mandatos de FH. O lugar era um pé-sujo quando eu ia lá pelo menos uma vez por semana ver o show do Opinião, com Zé Kéti, João do Vale e Bethânia. Depois era só atravessar a Siqueira Campos: tomei porres memoráveis com João do Vale. Era daqueles botecos que ficam abertos até o último freguês, uma mentira bem carioca: éramos invariavelmente os últimos e tínhamos que bater em retirada quando começavam a jogar baldes d’água nos nossos pés. Em geral a noitada terminava no Beco da Fome, o João do Vale tomando cana e contando suas piadas numeradas.
– Escolhe um número – qualquer número. “Oito.” Ele ria quem nem um menino, só de lembrar da piada. “Essa é bonitinha”, avisava. Em geral a risada era muito melhor que a piada. Ria antes, durante e depois.
Me sentei de costas para a novela das sete (outra novidade, virou mania, dos pés-sujos aos bares metidos a besta tem sempre uma televisão enchendo o saco da gente) e de frente para um bando de aposentados com um chope mormo nas mãos e os olhos pregados na telinha. Fiz um balanço das mudanças durante minha ausência de onze anos.
Botaram sete mesas com seis tamboretes em torno de cada, tudo fincando no chão. Hipoteticamente cabem 42 pessoas sentadas, mas os bancos são tão próximos uns dos outros que só 42 Marcos Maciéis, ou fregueses do mesmo porte, conseguiriam acomodar suas bundas.
Chico PF, apesar dos seus mais de cem quilos, vê o lado positivo das mesas e tamboretes imexíveis: “Se estourar uma briga, evita cadeiras voando pelo salão.”
O que melhorou? Na verdade, nada, mas às vezes não mudar já é uma melhora. Os petiscos continuam imbatíveis, de A, de anchova, a T de truta, são 52, incluindo acepipes que só têm lá: búzios, couve-de-bruxelas, enguia, favas, morcela, ostras da Cananéia, polvo, rã, rollmops e outras figurinhas difíceis de achar em outros botecos. Alguém aí perguntou o que é rollmops? É arenque cru marinado, enrolado com pepino. Dá uma sede de cão.
A boa notícia é o chope da Brahma, muito bem tirado. Quanto custa uma sentada na Adega? Dependendo da sede, de 2 paus a um salário mínimo.
Adega Pérola. Rua Siqueira Campos, 138-A. Tel. 255-9425. De segunda a sábado, das 11 da manhã à meia-noite.