Boemia

Bar Luiz

Postado por Simão Pessoa

Por Jaguar

Debalde Sérgio Cabral, em 71, perambulou pela Alemanha à procura de uma salada de batatas que lembrasse a do Bar Luiz. “Comi salada de batatas de todos os tipos com todos os molhos, mas igual àquela do Bar Luiz – salve! – nenhuma”, conta Sérgio, num arroubo de ufanismo carioca. Depois descobriu o motivo: a salada é tão carioca quanto ele, assim como não é alemão o fundador do bar, apesar do nome. Jacob Wendling nasceu em Petrópolis, de pais suíços.

Bares, como certos vinhos, viajam mal. O Jangadeiros, por exemplo, depois da quarta mudança de endereço, mudou o Jangadeiros original. O Luna sobreviveu pouco tempo depois que emigrou do Leblon para Ipanema. O Lamas já não é o mesmo depois que foi despejado do Largo do Machado. Já o Bar Luiz foi em frente impavidamente mudando de nome e de rua: da Assembléia para a rua da Carioca, onde continua fazendo sucesso desde 1927. Já se chamou Zum Schlauch, Zum Alten Jacob, Braço de Ferro, Bar Adolph e finalmente Bar Luiz.

Quando o doutor Barbosa Lima Sobrinho nasceu, em 1897, o Bar Luiz já existia há 10 anos. Tornou-se logo ponto de encontro de jornalistas, intelectuais e boêmios de todos os calibres. Bilac, Paula Ney e Emílio Azevedo eram fregueses de caderno. E um tal de Raul Braga, tremendo criador de casos, um antecessor do Roniquito.

Deve ter sido numa mesa do bar, depois de entornar muita genebra e cerveja, que Emílio Azevedo cunhou a frase de azulejo: “Beber é uma necessidade, saber beber é uma ciência, embriagar-se é uma infâmia”.

Hoje, no viço dos seus 113 anos, o bar continua sendo referência em matéria de comes e bebes. Você vai lá numa quarta-feira às três da tarde, é difícil achar mesa vaga. Para Rio Botequim, guia da Prefeitura dos bares do Rio, o chope de lá é o melhor da cidade e o kassler com salada de batatas o melhor prato.

Assino embaixo mas acrescentaria: tem também um porteiro impressionante – Mongol, ex-lutador de catch – e a dona de bar mais bonita do Brasil, Rosana Santos, que assumiu a direção depois que o marido, Bruno, faleceu em 94. Ela e as quatro filhas do casal. O matriarcado marca a história do bar: Bruno herdou o bar da mãe, Gertrudes, inventora, há 85 anos, da nunca assaz gabada salada.

O bar era a extensão da redação do Pasquim, que ficava a 50 metros dali. Editores e colaboradores, na verdade, ficavam mais tempo no bar do que no trabalho. Lembro-me de uma entrevista que fizemos com Roberta Close; parou literalmente o trânsito, o Mongol teve que se desdobrar para conter os mais empolgados que queriam ver a morenaça de perto.

Em outra ocasião levamos uma modelo vestida só com uma capa de chuva: de repente ela tirou a capa e ficou nuazinha da silva enquanto o nosso fotógrafo clicava um filme inteiro. Os frequentadores – aquele bando de machões com rodelas de chope empilhadas na mesa – ficaram petrificados, o caneco suspenso no trajeto da mesa à goela, achando que estavam tendo uma alucinação etílica.

Quando submarinos nazistas afundaram navios brasileiros, houve o famosos quebra-quebra dos bares alemães; um dos líderes era João Saldanha. Depredaram o Zepellin, o Renânia, atual Lagoa, o Berlim, que virou Brasil, e outros botecos dos boches. E, para complicar as coisas, o Bar Adolph era xará de Hitler. Quando a malta, tendo à frente o fero João, invadiu o bar, por sorte do proprietário Ary Barroso estava bebericando seu chopinho.

– Ô, João! – bradou, subindo numa cadeira –, o dono do bar é brasileiro e antinazista!

A autoridade do autor da Aquarela do Brasil falou mais alto; os depredadores recuaram e partiram rumo ao Bar Brasil, onde não ficou chinite sobre chinite.

Dias depois o Adolph, já com o nome de Bar Luiz e, por medida cautelar, pintando com as cores da nossa bandeira, reabriu com a sua portentosa serpentina funcionando a todo vapor.

Se eu fosse contar todas as histórias que sei ou presenciei lá, só isso daria um livro. De bar em bar, vamos beber alhures.

Bar Luiz. Rua da Carioca, 39. Centro. Tel.262-6900. De segunda a sábado das 11 da manhã à meia-noite, domingo das 11 da manhã às 6 da noite.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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