Por Martinho da Vila
É muito bom poder, acompanhar a evolução de um artista popular. Moacyr Luz é um exemplo disso. Eu o conheci num boteco que não me lembro onde, apresentado pela Beth Carvalho tocou violou pra mim, e eu observei que o barbudo tinha uma boa pegada. Com a convivência percebi o seu lado compositor, nos tornamos parceiros e levei-o para a Ala de Compositores da Unidos da Vila Isabel.
Num pagode no Vila, em frente ao Petisco, ouvi-o cantar e notei que ele tem um jeito particular como intérprete. Falei com os meus botões: “Esse cara vai longe”.
Gravou bons discos. Depois, revelando o seu gosto pela poesia, musicou 12 poemas, coisa difícil de fazer, pois há uma sensível diferença entre poesia pura e letra poética. É emocionante o CD A Sedução Carioca do Poeta Brasileiro – por motivos óbvios gostei muito, mas muito mesmo do Poema Obsceno, de nosso grande vate vivo, Ferreira Gullar.
Agora, Moacyr envereda pelos caminhos da literatura, escrevendo crônicas sobre botecos do Rio de Janeiro.
Botequim é um templo onde os solitários se sentem acompanhados com seus copos, pensando… pensando… ou padreando com um amigo, ou numa roda de camaradas de copos.
Nada melhor do que uma amizade de boteco porque os amigos não se visitam nas respectivas casas e nenhum pede para assinar fiança ou dinheiro emprestado. Só falam de mulher, futebol, samba e política, sem discutir de forma tensa, visto que ninguém vai a um boteco para esquentar cabeça. Amigos de bar são como amantes recentes: um quer agradar o outro e não discordam nunca.
Bom pra se fazer amizade, o bar é realmente um lugar sagrado onde um amigo quase oculto dá ótimas dicas para a solução de problemas materiais ou de ordem sentimental. Funciona também como um consultório de terapia democrática, em que ora se é paciente, ora se é analista. E também um santuário descontraído, visto que todo botequim que se preza tem de ter imagem de santo, por isso as mesas quase sempre se transformam em alegres confessionários.
Como é bonito de se ver duas jovens ou senhoras sentadas frente a frente bebericando alegremente um chope num bar, antes exclusividade dos homens!
Nos tempos atuais botequim também é lugar de mulher e creio que elas também vão se deliciar com as crônicas do Moacyr.
(Prefácio do livro “Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos”, de Moacyr Luz, publicado em 2005)