Boemia

Café e Bar Tangará

Postado por Simão Pessoa

Por Jaguar

Assim como nunca houve uma mulher como Gilda, nunca houve uma batida de maracujá como a do Tangará, inventada há exatos 61 anos, quase a minha idade, pelo Pepe do Trevo. E a batida de maracujá continua sendo o carro-chefe do boteco, seguida de perto pela Moringuinha do Norte, uma cachacinha engarrafada, é óbvio, numa moringa de barro que vem, óbvio ululante, do Norte.

O Pepe do Trevo já se foi, está preparando suas batidas no Paraíso, razão pela qual os biriteiros não precisam jogar no chão a dose do santo, que está muito bem servido.

O herdeiro de Pepe do Trevo, chamado de Pepinho pelos amigos e companheiros do Cobal, onde assina o ponto todos os sábados, só que lado de fora do balcão, continua garantindo o nível das batidas, cuja fórmula ele não revela nem debaixo de tortura. No comando da casa há 8 anos, fez uma reforma geral e, imodesto mas rigorosamente verdadeiro, botou no letreiro “batidas imbatíveis”; ninguém, em sã consciência, ousaria discordar.

Algumas das imbatíveis: gengibre, caju, lima-da-pérsia, limão, amendoim, pêssego e a recém-lançada batida de pitanga, já aprovada pela galera. Homenagem ao vereador e ator do mesmo nome, frequentador do lugar desde pequenininho (hoje com menos assiduidade para não desagradar a patroa, dona Benedita, que é evangélica).

A esquina (Álvaro Alvim com Francisco Serrador) sempre foi ponto de artistas e boêmios. Wilson Grey (que participou de mais filmes que John Wayne) e Grande Otelo, companheiros, de copo e das também imbatíveis chanchadas da Atlântida, não saíam de lá. Agora devem estar bebendo suas batidinhas com o Pepe do Trevo na filial celeste do Tangará.

Os petiscos, para acompanhar as batidas e o chope muito bem tirado e tinindo de gelado, são de responsa: coxa de frango ensopada, fígado de galinha, moela, carne assada, queijo parmesão na chapa, sanduíche de fritada, ovo cozido, carne-seca com farofa e sacanagem (espetinho de linguiça, salaminho, queijo e picles), que carioca adora.

Nunca passei por aquela esquina sem dar uma meia trava obrigatória e olha que passo por lá há uns 40 anos e lá vai pedrada. Nas minhas andanças com Madame Satã, quando eu morava na Lapa, a meia trava se esticava por horas de papo furado com os vagabundos da área.

Só não parava quando estava correndo da polícia durante os agitos na Cinelândia contra a ditadura.

Pouco resta da Cinelândia dos tempos áureos e esse pouco se concentra nos vinte metros quadrados do Tangará. Um boteco de caráter. Quem melhor o definiu foi o autor Antonio Pedro: “um pé-sujo de unha feita”. E, modéstia à parte, tem uma porção de desenhos meus pendurados na parede, anunciando as bebidinhas e comidinhas.

Café e Bar Tangará. Rua Álvaro Alvim, 36. Centro. De segunda a sábado, das 6 da manhã até o último freguês.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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