Boemia

Casa da Cachaça

Postado por Simão Pessoa

Por Jaguar

Não confundir com o bar do mesmo nome no chiquérrimo Hotel Sheraton, incluído no Guia dos Restaurantes de Danúsia Bárbara, edição de 97. A Casa do hotel cinco estrelas da avenida Niemeyer é pra inglês ver, só tem batidas e caipirinhas feitas com pingas de segunda a preço de uísque importado.

Já a Casa da Cachaça do “seu” Osvaldo, que fica na Mem de Sá, 110, na Lapa, não tem manobreiro nem todos os cartões de crédito, muito pelo contrário, um cartão de papelão pregado com durex no balcão e escrito a mão pelo proprietário avisa aos incautos que não aceita cheques. Seu Osvaldo adverte, sem se preocupar em ser diplomático: “Choques, nem coloridos. Não força a barra, pô.”

Nos 24 metros quadrados da Casa da Cachaça cabem no máximo oito fregueses em pé, desde que não sejam muito corpulentos. Tem em estoque 3.200 marcas de cachaça, que ele mesmo compra, encarando muito chão no seu Santana velho de guerra em longas viagens nos fins de semana por estradas esburacadas até Salinas, Januária, Ubá, Paraty, qualquer lugar onde haja um bom alambique. Ele não trabalha com distribuidores para garantir a autenticidade de seus produtos.

Cachaça da boa não dá amnésia alcoólica: “seu” Osvaldo, que bebe uma garrafa da branquinha por dia, lembra exatamente a data em que começou na casa: 12 de agosto de 1960.

Frequento o lugar há mais de vinte anos. Quem me levou lá pela primeira vez foi Madame Satã, a quem convidei para comer um bife com fritas no Capela.

– Primeiro vamos tomar uma pinga ali perto.

Fiquei freguês desde então, ainda mais porque morei alguns anos num hotel na esquina de Riachuelo com Gomes Freire, a poucos metros dali. Dava uma meia trava quase todas as tardes, depois do trabalho.

“Seu” Osvaldo implica com quem pede cachaças de carregação.

– Quer beber pinga vagabunda, nos bares da redondeza tem de montão, aqui não!

E fica injuriado quando algum freguês dá uma dose pro santo. Para isso ele tem outra frase escrita num papelão: “Não jogue bebida no chão, nosso santo não bebe e você não limpa, seu lambão.”

Além de beber as melhores cachaças do Brasil, a gente ainda pode curtir pérolas da filosofia do “seu” Oswaldo, tais como: “Não existe mulher feia, você é que bebeu pouco”, “Marido enganado pode perdoar o Ricardão mais jamais aquele que deu a notícia”, “Freguês é igual relógio, se atrasa, não adianta”.

Nesse templo da cachaça você pode escolher desde a Havana, que custa mais caro que champagne francês: R$ 150 (só vende a garrafa fechada), até outras que, confesso, não ousei pedir: “Suba na Vara”, “Consolo de Corno”, “Na Bunda”, e por aí vai.

Para acompanhar, sardinha, torresminho, queijo provolone, feijão amigo. Um bom lugar pra gente fazer calo no cotovelo.

Com direito a uma Carteira de Cachaceiro, assinada por Osvaldo da Costa, que o freguês pode adquirir por módica quantia, com foto do portador, “válida em todo território nacional e em MG” (sic). No verso da carteira, os deveres de cada sócio: 1. Beber até o fígado aguentar. 2. Ficar constantemente bêbado. 3. Só tomar em copo duplo. 4. Sempre que encontrar alguém bebendo, filar a maior quantidade possível. 5. Nunca deixar nada pro santo.

Casa da Cachaça. Rua Mem de Sá, 110. Lapa. De segunda a sexta das 10 da manhã às 10 da noite.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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