Por Carlos Alberto Almeida
O Weber está na casa dos setenta anos, é um homem saudável e ainda faz voos quase diários, do Aeroclube de Manaus para sedes municipais por todo o Amazonas, levando políticos, doentes e defuntos. Conversei com ele no início de 2014, quando me disse que estava com mais de 29 mil horas de voo. O Weber já pilotou nas guerras coloniais da África, nos conflitos da América Latina, mas relata que o que marcou mesmo sua vida de aeronauta foram os voos em garimpos.
“O camarada comprava um avião Bandeirante novinho em folha, tirava todas as cadeiras de passageiros e, no vão livre, carregava gasolina, feijão, carne seca, farinha, ferramentas e até animais vivos. O pouso e a decolagem no meio da mata, em pistas feitas na mão com enxada e picareta, são um verdadeiro desafio. Qualquer vacilo e a morte está te esperando logo ali, na ilharga. As pistas de alguns garimpos eram tão curtas que, para o avião decolar, o piloto encostava o manche no peito enquanto o avião, com o motor na potência máxima, era retido no chão por uma corda amarrada à traseira da aeronave, para ser cortada no momento exato em que as rodas começavam a patinar”, relembrou ele. “Sem esse efeito ‘baladeira’, a aeronave se chocaria com as grandes árvores existentes no entorno”.

Avião destroçado em garimpo
Nos garimpos de pedras (diamantes, esmeraldas, etc), o garimpeiro, em regra, procura somente aquilo que está na superfície – nada a ver com os garimpos da África do Sul, com seus quilométricos túneis –, principalmente no cascalho dos riachos de regiões montanhosas, como nas regiões do Tepequém e Serra do Surucucu, em Roraima. Quem chegar primeiro se diz “dono” do negócio e vai “vendendo” espaços de mineração para quem chegar depois.
O garimpo de ouro é muito mais predatório do ponto de vista ambiental. Há garimpos de sequeiro, longe da água, há garimpos nas margens dos cursos d’água, e, pior, há garimpos nos fundos dos rios. A posse é feita da mesma forma dos diamantes: quem chegar primeiro vai tocando a mineração e vendendo os barrancos para os retardatários interessados na lavra.

Índios interrompendo garimpo em suas terras
A atividade garimpeira tem vários atores: o dono do garimpo, que demarca e vende os barrancos, e é pra ele que os demais devem vender o que extraem, seja ouro ou pedras preciosas. O dono da currutela, que é um arremedo de vila, onde tem mercadinho, venda de munição, armas, tabaco, cerveja, cachaça, ferramentas e o puteiro (a moeda é em minério, ouro ou pedras preciosas). O garimpeiro é em geral um sujeito sem eira nem beira, mas tem de tudo: gente fugida da justiça, fugidos da família, desesperados insolventes, bichas enrustidas, e bicho doido mesmo que decidiu tentar a sorte e bamburrar. Por fim, os matadores de aluguel. É que no garimpo não tem polícia, mas é preciso ter ordem. Já que não pode ter ladrão, alguém tem que fazer o saneamento do lugar. Como não tem cadeia, os pistoleiros de aluguel matam quem o dono do garimpo mandar.
Não há garimpo limpo, com preocupação ecológica. São abertas gigantescas feridas na terra, a lama toma conta de tudo e polui por milhares de quilômetros, matando peixes, anfíbios, répteis, pássaros, plantas, matando ou afugentando os animais maiores, destruindo propriedades bem cuidadas. É o inferno! Em outros aspectos não é menos pior: homicídios, tráfico de drogas e de minerais preciosos, sonegação tributária, lenocínio, abandono familiar, exploração desumana, trabalho análogo ao de escravo, pedofilia, escravização, assassinato, doenças e tumulto na vida dos índios.

Garimpo com maracas
Nos garimpos de barranco com uso de maracas, o garimpeiro passa até 18 horas com uma mangueira de jato entre as pernas, no meio da lama, cortando a terra com água a alta pressão, o corpo sujeito a uma vibração doentia (é tido como o pior dos trabalhos em garimpo). No garimpo de mergulho nas fofocas de balsas, o mergulhador não fica menos de 12 horas por dia no fundo do rio, sugando terra para a balsa, trabalhando na escuridão e no frio, trinta dias por mês, o ano inteiro, sem folga.
Na currutela tudo é caro, muito caro e o garimpeiro se priva de alimentação decente e remédios adequados, de forma que em pouco tempo está sequelado. Aquele mito do garimpeiro, bronzeado, forte, vendendo saúde, valente, é uma mentira. O garimpeiro é doentio, mal alimentado, tem dentes podres, vive triste e saudoso de seus entes queridos, que estão alhures.

Garimpeiro capturado por índios
E para onde vão preciosos minerais garimpados nos garimpos de meio do mato, sem controle estatal? Agora entra o campo das presunções, mas há indícios de que quase a totalidade sai do Brasil de forma descaminhada.
Então, quem ganha dinheiro, fica rico e se dá bem com o garimpo na Amazônia? Ganha dinheiro o dono do garimpo, o comprador que aparece por lá semanalmente, o traficante que manda o minério para fora do Brasil, o dono da currutela, os empresários que vendem máquinas e ferramentas, fabricantes e distribuidores de bebidas alcoólicas e tabaco. Quase tudo em cadeia de ilegalidade.
Para o Estado brasileiro e para as unidades da Federação na Amazônia, sobram os doentes, as famílias estraçalhadas, homens sem norte e sem lei, a terra estragada, os igarapés mortos, os rios adoecidos.
Isso vale à pena? Vale à pena usar um lindo anel de ouro ou uma pedra de diamante a esse preço?
Carlos Alberto Almeida é professor universitário e Procurador de Contas do Estado