Por Dodô Azevedo
O título da coluna nos induz a completar “…Brasil”. Mas é que “Fevereiros” – documentário de Márcio Debellian que entrou em cartaz nesta semana – é ainda maior que nosso país.
“Fevereiros”, que exibe a relação de Maria Bethânia com as festas de cristãs e de candomblé da Bahia e com a comunidade da Estação Primeira de Mangueira, no Rio, fala é de toda a humanidade.
“Fevereiros” rodou 29 festivais de cinema pelo mundo, passando por países como Canadá, França, Rússia, Suíça, Espanha, Itália, Chile, Uruguai, Congo e Senegal. O longa recebeu o prêmio de Melhor Filme no 10º IN-Edit Brasil e a Menção Honrosa do Júri na competitiva Ibero-americana do 36º Festival Internacional do Uruguai.
O filme quer lembrar que, se uma parcela da humanidade insiste em falhar, em violentar, isolar, corromper e destruir, uma outra parcela resiste em reunir, pacificar, compartilhar e incluir.
Esta segunda parcela, histórica e curiosamente ocultada pelos meios de comunicação, recebe, também historicamente, atenção e luz da arte.
É o que arte é: luz sobre o que realmente importa.
Marcio Debellian viu, na rotina sincrética de Bethânia e nas ligações da Bahia com a Estação Primeira de Mangueira, o que importa: o feminino.
Estão na equipe de profissionais de câmera de “Fevereiros”, por exemplo, duas fotógrafas de talento definitivo, Clara Cavour e Rita Albano. O que faz toda a diferença.
O filme nos leva para dentro das festas religiosas de fevereiro do Recôncavo Baiano. Para dentro de uma sociedade matricêntrica (ou matrifocal, posto que a palavra matriarcado é com frequência aplicada de modo errado, posto que matriarcado contém o radical grego “arché”, que significa poder sobre alguém, e não compartilhado, matricentricamente, com todos).
“Fevereiros” nos apresenta uma profusão de mães poderosas. Mãe Menininha do Gantois, Dona Canô, Iansã e Iemanjá. E exibe a relação destas mães com o Brasil popular, periférico, esse Brasil de pais ausentes e de mães fortes e generosas.
A Estação Primeira de Mangueira fica na Zona Norte do Rio de Janeiro. Sua comunidade quase toda de pretos, muito assemelha-se com a demografia da Bahia. Caetano Veloso, irmão e duplo de Bethânia, escreveu: “A Bahia, estação primeira do Brasil, ao ver a mangueira nela inteira se viu, exibiu-se sua face verdadeira.”
A primeira sensação ao assistir a “Fevereiros” é que a face verdadeira do Brasil está ali. A segunda, é de que está no filme a verdadeira face de toda a humanidade.
A sensação pós sessão é de ter recebido um passe. Uma bênção de Iemanjá, celebrada hoje, dia 2 de fevereiro.
Um passe que nos protege desta essa outra face humana: masculina, de políticos suspeitos, presidentes de mineradoras que diariamente estupram a mãe terra para obter metal, de feminicidas homens de bem.
“Fevereiros” é uma benção que nos ajuda a nos proteger do patriarcado.
Uma benção que nos ensina que, se vivemos em uma pátria que não nos ama, há uma mátria protetora.
Mátria amada, Brasil.