Por Moacyr Luz
Meus amigos, eu não queria tomar mais do que duas doses do seu tempo para contar um pouco desse folclore que é trocar um cheque em qualquer butiquim. Pode ser íntimo, um primo distante do dono, mas você acaba esbarrando com aquela cara de fastio, o homem nervoso batendo com a gaveta da caixa registradora, não ouvindo o “obrigado” e muito menos falando o “de nada”.
Eu, que ando com o cotovelo calejado de tanto ouvir mentiras no pé do balcão (de mármore, é claro), perdi a conta dos avisos diferentes sobre o tal de “trocar um cheque”. Tem gente que manda fundir com ferro em brasa na madeira envernizada os dizeres “Não trocamos cheques, favor não insistir” e prende a placa a uma corrente preta para fincar no prego. Outros, para constranger, emolduram com vidro, passe-partout e laca, um quadro com os cheques carimbados, assinaturas ilegíveis, vistos em vermelho e outras siglas bancária. Tudo devolvido.
Eu falei de assinaturas ilegíveis, de rubricas do caixa do banco, por que ainda existe a questão de a assinatura não conferir por causa do teor alcoólico com que foi escrita. Lembro de um amigo íntimo que num fim de tarde trouxe o gerente do banco para a nossa mesa de bar. O engravatado chamava-se Ernesto. Meu amigo pediu um uísque duplo, duas pedras apenas para não alterar o sabor, e bebeu como quem bebe remédio, de uma só vez. O garçom enroscava a tampa do litro e ele de copo vazio:
– Mais duas doses, parceiro! – derrubando do mesmo jeito.
Ernesto, sem demonstrar espanto, abriu a mala sanfonada e sacou aquela fichinha de banco feita para a gente assinar três vezes, em branco. Caneta esferográfica na mão, olhou indiferente para o meu amigo e pediu:
– Assina agora, ô fulano.
Três linhas depois, documento preenchido, o gerente respirou aliviado:
– Pronto, agora não vamos mais sofrer com os cheques devolvidos. Você só assina bêbado.
É, meu irmão, cheque é um problema.
Você sente que precisa trocar uma folhinha e então, para justificar, gasta além do prometido: pede logo cinco maços de cigarro, oferece uma rodada e, já com a conta no talo, encosta no caixa:
– Fulano, você não imagina, fui no banco 24 horas ali da esquina e estava fora do ar. Atravessei para fazer hora, encontrei beltrano e me perdi na saideira. Sabe como é, fiquei sem dinheiro… Dá para fechar a conta e arredondar o cheque?
Silêncio.
– Olha aí, a conta deu R$ 42, faz de R$ 50 para ficar redondo…
Fazer o quê?
No fundo, no fundo, o problema foi a saideira.
Aliás, eu tive um cunhado que perdeu a mulher por causa de saideira, mas essa é outra história.
Papo reto com Arthur Dapieve
O jornalista, todos conhecem. Mantém em sua coluna a sina da estrela solitária, o Botafogo, sempre brilhando em cada parágrafo. Costuma escrever sobre música estrangeira, mas nossos encontros se dão sempre em rodas de samba – e com muita bebida nacional. Temos o mesmo afeto pela cidade e foi isso que nos aproximou de vez.
Você já assinou algum cheque tão mal a ponto de o português chama-lo num canto no dia seguinte e enrubescer você de vergonha?
Olha, não que eu me lembre, mas isso não quer dizer nada: a gente não paga pra esquecer? Me lembro, aliás, é de ter esquecido de assinar…
E o cara que assina errado só para voltar e dar mais tempo de arrumar dinheiro? É possível?
Perfeitamente possível, mas só se ele tiver algum crédito (de cobrança) na casa. Se não, acaba parando no SPC por causa de meia dúzia de louras geladas.
O truque da última folha existe?
Confesso minha ignorância da expressão. Qual seria o truque? Dizer “puxa, achei que ainda tinha um cheque aqui…” Se é isso, existe, certifico e dou fé.
Aquela carteira que para fechar se precisa de ajuda por causa da quantidade de cheques é coisa da Zona Sul ou só na Zona Norte se trabalha com isso?
É mais coisa da Zona Norte, decerto. Na Zona Sul, o chique é desenrolar aquela carteira cheia de cartões de crédito. Ainda, naturalmente, que alguns sejam de papelão que acompanham a carteira desde a loja…
Teria sido a partir do cheque que nasceu o clássico movimento com as mãos enquanto se grita para o garçom: “Fecha a conta”?
Este é possivelmente o mais universal dos gestos, não é? Em minhas bebedeiras pelo mundo, não encontrei um lugar em que ele não seja entendido. Por isso, acho que o cheque não é a inspiração, não. A inspiração é a soma, a adição, a conta, a dolorosa…
Rico também pede para segurar cinco dias com a desculpa de que está esperando um depósito?
Rico é ainda mais cara-de-pau, rapaz. Sendo rico, nem dá o cheque para ser segurado: diz que passa dali a cinco dias e paga em cash.
E quando o porre foi implacável a ponto de o talão cair inteiro na tulipa de chope? O cara aproveita e mexe para fazer espuma só para disfarçar?
Você já viu que coisa mais deprimente? Aquele cheque preenchido por letras borradas… Ou talvez fosse melhor dizer: letras borrachas. Um dos dois: ou o talão ou o correntista está na maior água.
Pergunta feita a todos: há algum segredo pra curar ressaca?
Só consigo curar ressaca comendo bem. Ou seja, só depois do almoço do dia seguinte é que ela vai embora, e sem deixar gosto amargo na boca. Nisso, massas são fundamentais. Deve ser coisa de carcamano.
O sujeito que põe centavos no extenso é um pão-duro?
Tremendo muquirana. O sujeito que não sabe reconhecer a galhardia do trabalho do garçom, anotando uns caraminguás a mais no cheque, é um equivocado. O cara que não arredonda nem centavos, então, é indigno da cerveja que bebe.
Já lhe aconteceu de pedir do português o cheque assinado pela morena só pra pegar o telefone no verso?
Não. Hum… Não ainda. Grande ideia!