Boemia

O churrasco no butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Fazer um churrasco exige técnicas diversas, noções de anatomia, comburentes e até fisiocracia para organizar os famintos, mas o que pede maior conhecimento é convencer o gerente do butiquim de que a comilança não vai prejudicar a venda dos pastéis já fritos no balcão, que a farra é boa para a imagem do estabelecimento e que até a fumaça, deu ontem no jornal, é excelente para cabelo de madame: evita a queda prematura.

Isso feito, vamos destrinchar o manual. Butiquim que se preza não tem churrasqueira; você encontra os tijolos numa obra inacabada, convence o Ernesto, um faz-tudo da redondeza, de que é moleza carregar os vinte adobes nas costas e constrói tudo no pé do meio-fio. Três andares de tijolos e não esqueça de cobrir também o chão para a carne não assar com gosto de asfalto derretido.

Todo mundo em volta, aparecem inúmeras formas de acender o carvão. Cada gaiato garante que assim é melhor e pega álcool, pão dormido, jornal da véspera, sebo de carne, querosene, um tal de vulcão, lata de banha, faz um montinho, deixa o ar entrar, cadê o abanador?

Pede ao gerente uma tábua de carne. Traz também um pano de prato.

O fogo está alto! Pede ao gerente uma garrafa vazia. É. Faz um furo na tampa e enche de água.

Olha aí: eu vou separando as carnes, vê se o gerente não empresta umas travessas e outro pano para proteger das moscas. Serve a toalha de mesa. Mar traz uma limpa, olha a imagem!

Me desculpem, tenham pena do gerente.

Não é melhor temperar a fraldinha com alho e pimenta-do-reino? Alguém trouxe? Você gastou uma grana com esses garfinhos de plástico? Francamente. O gerente…

Às seis da tarde, o humor do gerente foi para o vinagre. Vai sobrar para o garçom o carvão em brasa da churrasqueira (e os tijolos também), duas linguiças esturricadas, o chão engordurado e polvilhado de sal grosso para varrer e, provavelmente, o autor da ideia de confraternização, no fundo do caixa, pedindo ao gerente para segurar a conta porque é fim de mês, coisa e tal, sabe que eu sou de confiança, e vai por aí.

O “segura a conta” quer dizer pendura. De pôr no prego, como se fosse um penhor sem jóias apenas o gerente e a sua assinatura, tudo num caderno. Caderno que sabe segredos de uma vida inteira.

Papo reto com Otávio Augusto

Otávio tem um sotaque diferente, mas tenho certeza de que é carioca. Toda vez que tem um samba diferente, uma comida para iniciados, bem boteco, conto com a sua presença. Vive como ator uma maturidade fundamental, dominando todos os idiomas da TV, do teatro e do cinema. Já tomamos alguns porres no Bracaraense e no Belmonte, daqueles que a rua pàra para ver.

Você acha que churrasco é comida de preguiçoso?

Eu acho que o churrasco é um motivo para rever os amigos, até porque ninguém faz churrasco pra dois. Agora, se você não conhece o cara que tá oferecendo o churrasco, é melhor levar a sua cerveja, porque tem cada marca nessas festas que dá vontade de gritar “socorro”.

Existe algum segredo pra acender a brasa?

Antes, a gente acendia com álcool, mas era um perigo… Às vezes, o fogo vinha até a garrafa plástica. Hoje, você já encontra dentro do pacote uns cones que acendem bem.

Se passa uma mulata, você se distrai e acaba passando demais a carne ou é daqueles compenetrados?

Quando passa uma mulata, a carne que fique pronta sozinha. O que acontece é que tem sempre um gaiato ao lado do churrasqueiro dando opinião. Um inferno! E esse não deixa a carne passar. O cara fica falando: “Põe mais pra baixo, cuidado com o carvão!”

Já fez ou participou de algum churrasco de butiquim?

Esses no espetinho de gato têm o seu valor. Aquele que você faz na feira também. Uma maravilha! A grande maravilha do churrasco é que ele é feito pra durar o dia todo.

Com você também acontece de chegar em casa esfomeado depois de sair de um churrasco?

Não acontece porque eu chego em casa morto, caio na cama, durmo e nem sei se comi.

Já desistiu da gordura da picanha?

Nunca. Churrasco sem gordura não existe. Às vezes, eu corro um pouco da costela, que eu adoro, mas é forte demais.

E o molho à campanha, tem paciência pra fazer?

Nunca acertei fazer, mas vou lhe contar: minha mãe faz um molho delicioso e não diz a receita. Ela faz pra feijoada, põe limão e pimenta, uma maravilha!

Você já fez uma mancha irrecuperável na camisa de linho ao comer uma fraldinha sangrando?

Mancha, furo, rasgo, tudo! Mancha tudo, cai sangue no chinelo, até no colarinho.

O que é pior: churrasco de butiquim ou chope servido em jarra nos aniversários?

Chope servido em jarra mesmo em restaurante é um horror. Coisa de alemão. Pra mim, perde a pressão. Meu amigo, já passei da época de beber de qualquer maneira.

E tem alguma receita pessoal pra curar ressaca?

Tomar um banho gelado. Acorda e vai direto pro banheiro, sem nem dar bom-dia, se não a mulher olha pra sua cara, você destruído, e ela: “Tá vendo o teu estado?” Não pode falar com ninguém. Tem que ir direto pro banheiro e pro banho gelado.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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