Por Moacyr Luz
Quando se organiza o tal de chá-de-panela é que se dá conta sobre a variedade de miudezas que abastece um butiquim. Entre abridores de bebida que também abrem latas, ganchos para pendurar vassouras no banheirinho, porta-copos que desmancham no primeiro uso e coador de pano (porque o de papel acaba na hora mais improvável), são detalhes infinitos. Mais do que qualquer cantor possa compor.
Cá estou eu embromando na espuma, mas isso tem sentido um dos presentes mais aplaudidos, quase um strip-tease na adivinhação, é a caixa de ferramentas. Um homem com uma caixa de ferramentas na mão se transforma em herói do cotidiano, no macho fundamental do casulo e, se souber usá-las também, consegue até melhores performances sexuais. Mas tem quem se negue a calejar suas mãos com alicates de ponta ou quebrar as unhas numa martelada tentando fixar a placa de madeira esculpida a fogo nas bordas com dizeres inspirados: Lar doce lar.
Fulano abriu o embrulho com a caixa e, num instinto de repulsa levou ainda no lacre para o butiquim que frequenta desde quando seu finado pai, que o Deus o tenha, enfiava a cara aos sábados para não ir comer macarrão caseiro na casa da sogra.
A lembrança do amigo íntimo desempregado, mas cheio de habilidades o fez, de bermudas e sem camisa, atravessar a rua com o destino das chaves de fendas e outros badulaques afins. E foi assim que Ernesto tornou- se o faz-tudo da redondeza.
O português autorizou-o a colocar um anúncio no quadro de alvarás do bar; outro amigo aprontou uns cartõezinhos recortados na guilhotina da xerox ao lado; e, em poucos dias, Ernesto era o expert em consertar aquecedores, válvulas sanitárias e até, num ato de insanidade, tentar reparar a rotunda de uma máquina de lavar cuja garantia mal acabara.
Vamos especular. Quem frequenta qualquer butiquim, seja da Zona Norte ou da Zona Sul, sabe que existe sempre um gaiato que atende pelo título de bombeiro, um verdadeiro faz-tudo do bairro, que fica encostado na pilastra, palito nos dentes, barba por fazer e a camisa aberta em mais da metade dos botões esperando que um bêbado se anime e cisme de levá-lo, sempre na hora do jantar, para reparar uma torneira que pinga muito pouco, mas que a partir dessa noite será o motivo para reforma completa na residência, depois de três raros azulejos quebrados e um furo inesperado na tubulação.
E isso tudo na hora do jantar, ritual que a esposa insiste em manter com talher de prata.
Papo Reto com Wilson Flora, o Baiano
De baiano não tem nada: ele nasceu em Caraúbas, Paraíba. Frasista de mão-cheia, afirma, que na terra dele, de tão atrasada, o arco-íris é em preto e branco. Meu amigo dos mais constantes, agora é gerente de bar, um relações públicas ao seu estilo: com ele, é permitido batucar, entrar sem camisa e tocar instrumentos sonoros. E ainda vende carro sem volante. Inacreditável.
Você algum dia já contratou um sujeito que no primeiro prego notou tratar-se de um clone de faz-tudo?
Várias vezes. É o faz-tudo da Zona Sul. Cobra 200 paus pra pregar o prego e ainda inventa número de série, bitola e o escambau pra valorizar o troço.
Já levou algum faz-tudo pra casa depois de um porre e acordou com um cano estourado?
Pergunta de duplo sentido… Mas eu já levei pra casa todo tipo de bêbado, e fazendo de tudo. Até o bife que eu tinha escondido na geladeira eles fritaram!
Tem coragem de deixar a mulher com o faz-tudo enquanto você bebe alguma no botequim de baixo?
Não, muito menos o último que me apareceu: um galã! Um dia, ficou faltando uma lata de tinta e eu propus irmos os três buscar na loja: eu, ele e minha mulher. Porque deixar ela ficar sozinha com aquele sujeito não ia dar certo.
Você, com sua experiência de vida, seria um bom faz-tudo?
Já faço de tudo! O sujeito que veio de onde eu vim, sobreviveu à primeira infância e já sabe falar, é uma glória!
Já ofereceu a conta do bar em troca da troca da válvula sanitária?
Meu irmão, eu sou especialista nisso, a conta do bar, mas do lado do pendura: eu é que me ofereço pra trocar a válvula e segurar minha conta.
E pra ressaca? Tem alguma receita milagrosa?
A minha receita é morrer. O ideal era que o cara morresse.
Acredita que esses caras têm pacto com alguma entidade quando a máquina de lavar enguiça sempre com o cheque no vermelho ou na hora melhor da festa?
Coincidentemente, comprei uma máquina de lavar, mambembe, é claro, acho até que é um modelo feito pelo vendedor. Novinha, mas deu um pequeno vazamento que inunda toda a cozinha.
Existe diferença entre o faz-tudo de subúrbio e o faz-tudo da Zona Sul?
Muita! Principalmente na quantidade. Na Zona Norte, todo mundo é faz-tudo. É como aquele sujeito que perguntou se minha mãe tinha empregada doméstica em nossa casa, lá no Nordeste. Respondi que lá só tinha empregada doméstica, ninguém era patroa.
Já tentou montar armário embutido usado e terminou nas mãos do faz-tudo?
Numa mudança há muitos anos, eu, duro, chamei um bêbado faz-tudo da redondeza e ele deu um jeito de colocar uma estante num lugar que mal cabia um tamborete. Destruiu tudo.
E caixa de ferramentas? Tem em casa?
Tenho uma dessas japonesas, em que o alicate não corta nem unha e a chave de fenda não tem a fenda…