Boemia

O futebol no butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Ernesto é um gaiato que vive encostado na coluna que separa o bar da via pública. Aquela coluna que, de fora é um rodapé de granito preto e cinco fileiras de azulejos, e por dentro sustenta um punhado de anúncios suados de cerveja e promoções escritas com pilot pelo gerente.

Tive que falar da coluna porque faz tempo que butiquim empresta suas paredes para eventos culturais. Hoje, você esbarra na minissaia da ninfeta de copo na mão, pinguins, icebergs emoldurando garrafas, gargantas quadradas, gênios da lâmpada e o escambau. De longe, um panfleto oferece aulas de violão e cavaquinho, mas o pesado desce redondo, a número um, a primeira do Brasil. Mudou ou não mudou.

Mas vamos ao Ernesto, que voltou do banheiro com a cara de móveis e utensílios, andar curto, e, pela indiferença dos outros bebuns, um manjado. Ernesto é uma lenda que existe em qualquer boteco de malandro: ex-jogador profissional de um time que no momento anda na segunda divisão, quase jogou no Maracanã, começou com o Pelé, participou, como reserva, da festa de despedida do Zizinho, ia ser convocado para seleção mato-grossense de aspirantes, mas foi vetado no exame de sangue, viajou toda a América, Equador, Guianas, você não imagina. Mas não deu sorte. Futebol ele tinha, mas a bebida e a sombra do Divino acabaram com a promissora carreira.

O bar já respeitou mais as suas histórias. Faziam rodinha pra lembrar um ataque de 52, o pênalti naquele zagueiro negão, como é mesmo o nome? Aquele que também abandonou por causa da bebida?

Ernesto olha para o infinito. A perna ainda arqueada pela tradição do esporte faz embaixadinha com um caroço de azeitona (também serve tampinha de cerveja, bagaço de laranja ou bolinho de bacalhau vencido) e aceita uma branquinha antes de ajeitar o botão da camisa.

O lugar encheu. Foram falar de injustiças e o assunto virou discussão: fulano é que é melhor que beltrano, que jogava menos que sicrano, que hoje mora de favor na concentração, um que adorava pegar sabonete no vestiário e o que perdeu a mulher para o zagueiro e acabou louco por causa da bebida.

Saindo de fininho, uma tática antiga, Ernesto pegou o rumo de casa. Trabalhando de feirante, também é monumento em vários outros bares de esquina; de um lado, os ônibus lotados, do outro, a feira e suas verduras. É, meu amigo, nada é melhor que frequentar butiquim em um dia de feira.

Papo reto com Aldir Blanc

Meu parceiro há vinte anos, Aldir está na galeria dos maiores criadores da música brasileira. O destino nos fez ser, além de parceiros, vizinhos de prédio no mesmo período. Estar ao lado de Guinga e João Bosco como seus parceiros fundamentais me deixa orgulhoso, vaidoso. Mão forte no copo, houve uma época que no fim da noite sempre bebíamos um vinho rosé para lavar as nossas “serpentinas” antes de dormir. Não sei como anda a sua disposição, mas tenho mantido uma garrafa sempre na geladeira. Nunca se sabe.

Você lembra do primeiro jogo a que assistiu?

Um Vasco e Fluminense que, claro, o Vasco ganhou.

A Copa de 50 passou peal sua vida de alguma forma?

Passou em branco.

Você já entrou alguma vez na torcida errada?

Uma vez, mas de leve. Fui salvo por dois amigos: Marco Aurélio e Jorge Ben. Eu já era adulto. Aliás, nunca fui criança.

E já topou com jogador que não foi reconhecido, daqueles de butiquim?

Um ídolo meu, Valter Marciano, camisa dez do Vasco, que morreu num acidente de carro na Espanha. Chegou a substituir o Pelé, mas morreu em 1956, 57.

Uma partida inesquecível?

Quando o Bebeto fez seu primeiro gol contra o Flamengo, batizado de “dois pra lá, dois pra cá”.

Você começa a beber e o seu time perde. Você pára ou continua?

Eu continuo sempre. Não por esperança que o meu time vire, mas que eu me acalme.

O ídolo do seu time é convocado para a seleção e desfalca a equipe numa partida decisiva. Você torce para ele ser cortado?

Tô pouco me ligando pra convocação. Ainda mais se tiver Zagallo e Parreira. Quero ele no meu time.

Você também acha que aquela bola do Pelé contra o Uruguai em 70 um dia vai entrar?

Não sou saudosista, onanista. Sei que aquela bola nunca vai entrar.

E pra ressaca, tem alguma dica?

Beber de novo. Ajeita a cerveja no congelador, prepara gelo para a vodka, sacode a batida, sai bebendo. É essa a minha dica.

Como compositor, tem alguma sugestão para o hino do seu clube?

Faria um hino que repudiasse a capitania hereditária que se tornou o meu clube, com direito a cinquenta anos de distância desses herdeiros manjados.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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