Boemia

O táxi e o butiquim

Postado por Simão Pessoa

Por Moacyr Luz

Ernesto, um pé-de-cana que fazia ponto num boteco antigo da região, quando dava para falar sozinho, guardava sempre uma frase para o final:

– Otário e resfriado não acabam nunca.

Ficava aquele silêncio…

Eu falei no fim, mas no fim mesmo, quando o gerente do estabelecimento começa a organizar a fila no táxi dos esquecidos, para os que vêem dobrado, chamando urubu de meu louro, do deixa na banha porque o que eu gosto é de comer engordurado, e outras mumunhas mais. Ele encostava no pescoço do sem-destino-certo e, com a voz grave, pausada nos paroxítonos, suspirava:

– Nunca tomei um táxi. Não sou de misturar. Comigo é cachaça, só cachaça.

Longe de mim fazer fuxico, mas conheço motoristas de táxi que são verdadeiros bandeirantes, desbravadores de subúrbio, vielas, atalhos, o tal do “essa hora é melhor ir por dentro”, “olha, semana passada tava fechado o retorno”… E isso tudo dito na frente da família emoldurada na galalite Meus dois amores.

Um amigo íntimo que está respondendo a processo em uma dessas cooperativas aprontou o seguinte: saindo de um boteco, uma perna mais alta que a outra, ventando acima do normal, pede ao gerente um táxi:

– Eu fumo, hein? – observa.

Quase três da manhã, chega o ganancioso já baixando a bandeira:

– É pra onde? Por dentro ou por fora? – resmunga de má vontade.

O amigo íntimo, já manjado na região como encrenqueiro, criador de caso, apesar de a gente saber que o praça era igual ao leão da Metro – começa com dois urros –, o resto é fita, encosta no vão da janela e pergunta:

– Ô meu irmão, o camarão e a cerveja eu ponho aonde?

– Bota aí no banco de trás.

Foi ele puxar a lingueta da poltrona para o meu compadre vomitar todo o estofado do utilitário.

Acredite: foi um deus-nos-acuda.

Creolina, detergente neutro, empurra-empurra, “Quem vai ficar com o prejuízo?”, “Não te falei? Táxi de bêbado não tem dono…”

O bafafá só acabou de manhã, água no sapato, porta arriada com o motorista, Ernesto e o amigo íntimo disputando uma porrinha para saber quem paga a saideira.

Porrinha ou palitinho, quem escolhe é você.

Papo reto com Jaguar

Bastava ter criado o Pasquim para que jaguar ficasse imortalizado na nossa academia íntima. Mas ele encontrou na cidade do Rio de janeiro um novo mapa que abraça o subúrbios e seus pés-sujos. Seu estilo nas charges é a cara do carioca, suas crônicas são um atestado da vida dessa cidade. Vez por outra, nós dois subimos em algum teatro para fazer um show chamado “Samba falado”. Sinto-me um privilegiado de, em vez de sentar à plateia, estará o seu lado, na mesma mesa.

Você prefere táxi de quatro portas ou tanto faz?

Tanto faz, desde que tenha ar.

Você senta no banco a frente para vigiar o taxímetro?

Outro dia sentei na frente para vigiar o taxímetro. É que a motorista estava de minissaia.

Algum motorista já achou que você era alemão e saiu dando voltas na cidade?

Sim, até eu dizer: “Ô, rapaz! Qualé?”

E dormir no estofado e acordar em Jacarepaguá?

Outro dia mandei o cara me levar pra rua Belford Roxo, em Copacabana, e acordei em Belford Roxo, na Baixada.

O que acontece quando o motorista puxa assunto e você está de ressaca?

Só não gosto de falar quando estou sóbrio. Nesse caso, raro, prefiro ler o jornal. De ressaca, não fico nunca.

Aliás, você tem alguma dica pra curar ressaca?

Não. Já disse antes que não tenho ressaca.

Com quem você não deixaria de modo algum a sua filha casar: com o motorista de táxi, da rodoviária ou com o do aeroporto?

O táxi do aeroporto é mais confortável para o sogro.

Existe diferença de personalidade entre o “Jesus te ama” e o “Meus dois amores”?

Jesus faz parte da Santíssima Trindade e a outra opção é de um a menos.

Cite uma corrida inesquecível…

Peguei um táxi dirigido por um argentino que tinha chegado naquele dia ao Rio e tomou o carro emprestado de um amigo. Tive que ensinar o caminho até o Bar Cabral 1500. Ele ficou maravilhado com a paisagem. Acabamos bebendo chope juntos.

Qual a diferença do motorista de táxi para o garçom de butiquim?

O motorista me leva pro butiquim, o garçom não me leva pro táxi.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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