Boemia

Vidas de vidro

M. Night Shyamalan dirige James McAvoy e Bruce Willis em cena de “Vidro”
Postado por Simão Pessoa

Por Dodô Azevedo

“Acreditar em si é contagiante”. Parece um lema político, mas é uma das falas de Vidro, novo filme de M. Night Shyamalan. Se todos nós acreditássemos em nós mesmos, ao invés de depositar todas as nossas esperanças em super-heróis, deuses, santos, messias, CEOs e políticos? O que seria da indústria de quadrinhos, da indústria que sustenta religiões e da indústria da política?

A partir da premissa de que, para manter-se, “o sistema” precisa nos fazer acreditar que somos ordinários e incapazes de mudar o mundo, Shyamalan construiu um universo de super-heróis, iniciado com Corpo Fechado, de 2000, turbinado por Fragmentado, de 2016, e conclui-se com Vidro, 2019, em cartaz no Brasil.

Em Corpo Fechado, um homem comum descobre ser inquebrável. Mas duvida disso o tempo inteiro. Shyamalan faz o público desconfiar no mesmo grau. Mostra ao espectador o quanto ele é descrente da “pessoa comum”.

Em Fragmentado, diz-se sobre como o século 21 nos tornou, a todos nós, esquizofrênicos e perigosos para nós e os outros em volta.

Em Vidro, o protagonista é o vilão de Corpo Fechado, Senhor Vidro: Samuel L. Jackson interpreta um personagem que descobre ter os ossos tão vulneráveis quanto vidro, o que restringe sua possibilidade de ir e vir.

Senhor Vidro tem um lema motivacional: “Estamos lutando pelos quebrados pela vida.”

O personagem é uma parábola com a precariedade da existência dos desvalidos. Senhor Vidro é negro.

O superpoder de Senhor Vidro é uma inteligência acima do normal. O que torna a vida do personagem ainda mais difícil, posto que a ignorância é aquela bênção que infelizmente nos cobre a maioria.

De fato, nos dias de hoje, onde WhastApp, redes sociais e caixas de comentários em sites expõem nossa desinformação, a inteligência tornou-se de fato um raro superpoder.

Superinteligente e supervulnerável, o personagem Sr. Vidro decide reverter a situação que não só os personagens dos filmes anteriores se encontram (presos), mas toda a situação da humanidade (não desperta para o pensamento de que os superpoderes estão em nós, não nos outros).

Tentar despertar todos os que vivem na base de um sistema que torna suas vidas precárias, quebradiças.

Leonardo Nascimento, preso recentemente por ser negro, Jean Willys, ameaçado por ser ativista das causas das minorias, os mortos de Brumadinho, soterrados por um mar de lama porque suas vidas importam menos que o crescimento de nossas indústrias.

Shyamalan quer despertar as vidas dos verdadeiros heróis. Heróis de verdade. Vidas de vidro.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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