Por Edney Silvestre, de Nova York
Desabotoando o sutiã coberto de lantejoulas prateadas que lhe cobria os amplos seios, a esguia stripteaser levou-o à cabeça loura – que desapareceu completamente por baixo de um único bojo. Jogando em seguida a peça para o lado, ela continuou dançando, na verdade apenas movendo-se à esquerda e à direita ao som de uma canção qualquer de Madonna, sacudindo ritmicamente ao mesmo tempo os cabelos longos e os dois formidáveis apêndices torácicos agora desnudados, tão espantosamente volumosos que pareciam fazer dela uma Terpsícore tricéfala.
– O nome dela é Chesty – explicou-me Lawrence, seu admirador de longa data –, e cada um deles pesa em torno de três quilos.
A robusta criatura é uma das peculiares atrações do programa The Robin Bird Show, apresentado diversas noites por semana no Canal 35.
Ms. Bird, uma simpática e sorridente loura quarentona, que recebe convidados trajando um sumário biquíni de crochê preto, foi atriz de filmes eróticos quando jovem. Hoje é uma das personagens Cult da noite televisiva de Nova York, uma espécie de Hebe Camargo soft pornô.
No mesmo canal, nas madrugadas de sexta-feira, ela recebe convidados masculinos para seu outro programa, Men on Men. Os rapazes se despem, sacudindo para as câmeras o que de mais íntimo a natureza lhe deu. Não poucas vezes, a natureza parece ter sido pouco generosa com vários deles – ainda que se possa atribuir à timidez ou ao ar condicionado do estúdio a flagrante modéstia de seus atributos.
Os dois programas estrelados por Robin Bird são parte da argumentação de Lawrence contra minha afirmação de que não faz sentido assistir à televisão em Nova York.
Para cada peça, exposição, conferência, filme, concerto, balé, ópera ou musical que cito como razão para sair de casa, ele apresenta outras tantas para fazer uma tigela de pipoca, abrir uma cerveja e sentar-se diante da telinha.
No caso de Ms. Bird, sua admiração é menos pelos espetáculos mamários do que por sua capacidade de criar shows televisivos com uma única câmera, nos fundos de um estúdio evidentemente paupérrimo.
Ele também a considera a papisa do gosto erótico do americano médio, como hambúrguer, batatas fritas e Coca-Cola o seriam no lado gastronômico. Opiniões coerentes com o cineasta de vanguarda que Lawrence é (o roteiro que está tentando produzir é sobre uma atriz de filmes pornográficos que, na verdade, é uma detetive disfarçada).
Concordo com ele, justamente, onde Lawrence menos aprecia. Acho que vale a pena assistir à televisão aqui pelo inusitado número de opções que apresenta: nada menos que 77 canais.
Fora noticiários gregos, poloneses, coreanos, russos e chineses (a que gosto de assistir para testar se adivinho o que as imagens significam), além de franceses, espanhóis e italianos (os mais longos e verborrágicos já concebidos desde a invenção da imagem no tubo), sou admirador do Canal 26 (QVC), vinte e quatro horas dedicado á venda das mais estapafúrdias cacarecadas, de aparelhos especiais para cortar pelos do nariz até roupas supostamente criadas por Ivana Trump (a modelo é a própria).
O Canal 44 (Entertainment) passa o dia todo alternando programas de fofocas sobre estrelas de TV e cinema. O 36 (The Weather Channel), dando a previsão do tempo em Nova York e nas principais cidades dos Estados Unidos e do mundo (escusado dizer que nenhuma da América do Sul está incluída).
Nova York também tem o Canal NY One, que dá notícias da cidade ininterruptamente, como a Cnn faz em relação ao planeta nos canais 10 e 32.
O 24 e o 56 transmitem esporte – todo e qualquer, inclusive golfe – sem parar. Os canais 34 e 69 pretendem ser comunitários e abertos a quem quiser trazer a debate (pagando pelo tempo de transmissão, é claro) os problemas que vê na metrópole. Na verdade, quem aparece por lá tem mais interesse em exibir suas partes pudendas, como um tal Edward, halterofilista sem sobrenome que, nas noites de sábado, se apresenta peladão, fazendo comentários que vão da guerra do Vietnã a roteiros turísticos, sempre acompanhados de seu número de telefone (751-0643) para aqueles que quiserem entrar em contato com ele.
Há um canal que só passa produções Disney (33), outro que exibe filmes de arte (37), outro mais só de películas “para a família” (30), um só dedicado a comédias (45). E há os que ensinam a pintar telas impressionistas, preparar quitutes, montar móveis, armar isolamento térmico da casa ou mesmo como construir uma.
Fora estes ainda há o da MTV, o de desenhos animados, o da Playboy, o de velhos programas como I Love Lucy, os de fala espanhol e outros sessenta e muitos por onde ir surfando.
Estaciono com frequência no Canal 46 (AMC). Deve ser meu lado nostálgico. O que se deveria ver ali, supostamente, seriam os clássicos do cinema americano, mas a maioria do que levam ao ar é feita de obscuras produções em preto-e-branco, das quais nem o mais fanático rato de cinemateca deve ter ouvido falar. Como Doodles Kiks Off, de 1938, estrelado por um tal Joe Penner. Ou The Lost Squadron, de 1931, com Richard Dix. Ou The Stand at Apache River, de 1953, com Stephen McNally e Julie Adams. Ou ainda So Evil My Love, de 1948, com Ray Milland (este eu sei quem foi) e Ann Todd. O tal do McNally também aparece em Apache Drums, rodado dois anos antes.
Vez por outra, porém, o Canal 46 exibe coisas deliciosas, apoiadas no brilho de nomes Rosalind Russell, Cary Grant, Carole Lombard, Fred Astaire & Ginger Rogers, Humphrey Bogart & Lauren Bacall, Gene Kelly & Cyd Charisse. O AMC também é bom de melodrama e recentemente fez um festival com as duas rainhas da choradeira, Lana Turner e Susan Hayward.
Foi assistindo a vários deles que fiz uma descoberta que também vale para Joan Crawford, Bette Davis e outras tantas: as histórias são sempre as mesmas; o que muda são os figurinos. A fórmula também se aplica para Greta Garbo, Elizabeth Taylor, Marlene Dietrich etc. etc. etc.
Lawrence, evidentemente, acha que nenhuma destas – nem Jayme Mansfield – se compara a Chesty. A quem pretende ter como estrela de seu filme. E teoriza:
– Ela é o símbolo da fartura americana.
Realmente.