Por Joaquim Ferreira dos Santos
A Juliana Paes estava na minha frente. Estava dentro de um vestido vermelho-sonho-de-valsa que lhe atochava divinamente as curvas como se fosse segunda pele e prova definitiva de que há um, só pode, Criador supremo e ecumênico esculpindo essas montanhas de fé e bombom.
A Juliana Paes estava na minha frente quando Angélica, ao som de “Eu sei que vou te amar”, entrou na passarela e pisou aqueles passos que toda mulher ensaia desde a primeira infância rumo aos braços do sujeito, no caso Luciano Huck, que a desposaria e para sempre na doença e para sempre na felicidade a toparia até o fim do sempre.
Era um momento bonito.
Havia a Juliana, a Angélica grávida e todos aqueles candelabros de velas acesas sobre as cabeças. Havia ainda um tapete interminável de folhas de fícus sussurrando boas energias ao toque do couro italiano de endinheirados paulistas. Havia enfim um cenário que os jornais no dia seguinte classificariam com razão de “mil e uma noites”, de “sonho”.
O problema é que eu só conseguia pensar em Ibrahim Sued, o colunista social das antigas.
Eu só conseguia pensar no velho turco me explicando, milênios atrás, que tinha dado um único conselho para a filha, Isabel, que se casaria naquela semana. Com toda a sinceridade que o acometia e era gênero, Ibrahim me disse que tinha dado um único conselho à moça. Não era nenhum existencialismo fugaz, que o colunista social não era homem de platitudes filosóficas. Vivia da objetividade jornalística, e foi com um texto desse estilo que aconselhou a filha a perseguir a tal felicidade eterna no casamento.
Assim:
Pediu que ela, Isabel, por mais anos de casamento que já tivessem rolado, por mais intercursos que já houvesse usufruído com o cônjuge no leito amoroso, que ela, Bebei, jamais, eis o conselho, fosse ao banheiro de porta aberta. “A intimidade degenera a felicidade”, dizia Ibrahim naquele seu jeito curioso e que eu, repórter de mais um “casamento do ano”, o primeiro da minha coleção de núpcias célebres, todas já desfeitas, anotava para os leitores de uma revista semanal.
Foi há muito tempo, mais ou menos no momento em que Angélica e Luciano deviam estar materializando, com suas existências louras, aquele brilho de desejo nos olhos de papai e mamãe. Hoje, o conselho de Ibrahim não serve para casal algum. Não adianta fechar a porta. O cheiro do tédio escapará pela fechadura. Tempos depois, tentando dar uma mãozinha na felicidade conjugal, os arquitetos desenhariam casas com um banheiro para ele e outro para ela. Definitivamente, o problema não estava no uso compartilhado do vaso sanitário – e a bossa arquitetônica, por mais que os conselheiros conjugais do Casa Cor insistissem, também não deu certo. Grana jogada fora, madame. Amor não se azuleja.
Foi uma noite linda, repito, aquela pisada em outubro de 2004 sobre as folhas de ficus da Marina da Glória. O casal feliz na dança das cadeiras judaicas, a Naomi Campbell puxando o cigarro em cima de mim e eu, sempre mané sem o Zippo dos canalhas, negando fogo. Tudo muito chique, mas a toda hora o turco Ibrahim passava com a questão que não se calava nem diante da boca cheia do croquete pós-moderno de Nekka Menna Barreto. O que aconselhar a um casal tão simpático para que ele não repita seus pares e, daqui a meia dúzia de edições, apareça na capa de Caras dizendo que, bem, sorry, não deu?
Como ajudá-los a desmentir Millôr em sua célebre oração de “Como são felizes esses casais que a gente não conhece bem” se a coisa ficou ainda mais perigosa? As celebridades casam e descasam tão rápido que agora também são os casais que não se conhecem bem.
Como aconselhar? Sem fazer piadinha dizendo que o pior casamento é aquele que dá certo, sem amargura de quem viu o filme que passava aquela semana na cidade, “Antes do pôr do sol”, e percebeu que o casal da tela é feliz porque passou apenas 14 horas juntos. Como aconselhar Angélica e Luciano a não transformarem o mais lindo sentimento numa cruel pensão de alimento?
O casamento moderno é mais ou menos como o PT no governo. Todo mundo desconfiava que não ia dar certo, mas era preciso tentar pelo menos uma vez e tirar a cisma. A idéia é ótima. Mulheres, esses seres que estão sempre indo à taróloga, encontram homens, esses seres que estão sempre indo ao Real Madrid e Milan. Como lhes bateu uma química durante o chopinho pós-escritório, resolvem lixar as diferenças e combinam que serão felizes para sempre.
Assim:
Ele se esforça para dormir abraçadinho. Em troca, ela não discute a relação. Anulam-se as esquisitices. Leite e mel jorram sobre a cama, de onde o casal em êxtase bíblico-amoroso jamais sairá.
Um dia isso ainda vai dar certo.
O homem começou a mapear o genoma há muito menos tempo e já conseguiu êxito. A fórmula do casamento vem sendo tentada há séculos, em todas as raças, línguas e culturas, e até agora ninguém gritou “eureca!”. Se Ibrahim errou, se Woody Allen garante que você só conhece sua esposa depois de cruzar com ela num tribunal – bem, não sou eu que vou dar pitaco em matéria tão complexa. O casamento já estava nos desenhos das cavernas egípcias. Quem sou eu, primo?!
Torço para que Luciano, por mais que os dias passem e o inesperado pare de fazer surpresas conjugais, torço para que ele continue achando a manchinha na coxa da esposa Angélica um milagre de delicadeza obrado pelos deuses da pigmentação, e não um caso a ser corrigido por um dermatologista que ela deve consultar logo – mas só depois de passar as minhas camisas, tá ouvindo? Folhas de fícus costumam dar sorte.