Por Millôr Fernandes
Os caras não mudam não, ô meu! Muda só a semântica, agora muito mais maneira e matreira:
Ontem:
A mulata é muito quente!
Hoje:
A miscigenação entre negros e brancos deu à resultante-fêmea um temperamento extremamente libidinoso que, aliás, tem sido – de modo vergonhoso – comercializado em shows, semiprostituição em casas noturnas, etc…
Ontem:
Mulher guia mal paca!
Hoje:
A sensibilidade feminina ainda não parece adaptada ao condicionamento mecânico exigido pela complexibilidade do automóvel.
Ontem:
Tá completamente gagá!
Hoje:
Revela lamentáveis sinais de degenerescência, próprios de sua avançada faixa etária, entre os quarenta e os cinquenta.
Ontem:
Você deixaria sua filha casar com um gilete?
Hoje:
O fato é que as características andróginas ou bissexuais de uma pessoa acrescentam mais um fator de atrito nas já difíceis relações intersexuais (conjugais) de nossos dias.
Ontem:
O que esses crioulos gostam mesmo é de rebolar no carnaval.
Hoje:
Ninguém vai negar que suas compleições africanas são todas de um povo geneticamente orientado para o lúdico existencial, fato demonstrado basicamente numa tremenda expressão corporal.
Ontem:
Mineiro não paga nem visita.
Hoje:
Os habitantes das alterosas tendem a um apego ao dinheiro exagerado e atípico no Brasil.
Ontem:
Empreguinho de merda.
Hoje:
Subemprego.
Ontem:
Todo ator é bicha e toda atriz é lésbica.
Hoje:
Há uma tendência natural e generalizada para que as minorias sexuais, discriminadas e perseguidas, se concentrem – como autodefesa – e busquem identificação e prestígio nos meios artísticos, principalmente em atividades cênicas.
Ontem:
Sórdido comunista!
Hoje:
É um velho reacionário ainda adepto de propostas marxistas ultrapassadas e bolcheviques invalidadas pela história.
Ontem:
É judeu!
Hoje:
Tem uma tendência natural para atividades comerciais e financeiras, não demonstra atração para se aplicar na agricultura e possui sentimento religioso extraordinariamente concentrado no próprio grupo de origem, com extrema conotação conservadora.
Ontem:
Não confio nesses japoneses!
Hoje:
De vez em quando pressinto que o número crescente de orientais atuando no Brasil tenderá a nos fazer lembrar com saudade do domínio americano.
Ontem:
É gente de cor.
Hoje:
Pertencem a um grupo étnico minoritário.
Ontem:
Japonês pra mim é tudo igual.
Hoje:
Até hoje não consigo definir e reconhecer as características específicas individuais dos imigrantes orientais.
Ontem:
Esses homossexuais drogados estão desmoralizando a mulher.
Hoje:
Há um visível projeto de homossexuais experimentalistas no sentido de se revalorizarem sexualmente induzindo a mulher à destruição de seu próprio mito.
Ontem:
Os culpados são esses paus-de-arara, que esculhambaram nosso mercado de trabalho.
Hoje:
A verdade é que a mão-de-obra ociosa e não-especializada oriunda de setores agrícolas pauperizados do nordeste está sendo utilizada no Rio e em São Paulo a preços abaixo do mercado contra os naturais desses Estados.
Ontem:
Um ignorantaço!
Hoje:
Não foi reprimido por qualquer espécie de educação formal.
Ontem:
Tou aí com uma roxinha.
Hoje:
Estou transando com uma garotinha de faixa social inferior e epiderme visivelmente contrastante.
Ontem:
Nunca vi ninguém mais mal-educada.
Hoje:
É totalmente inclinada e condicionada à explicitação de sua natureza pura.
Ontem:
São uns devassos!
Hoje:
Estão levando sua experiência sexual e sua permissividade geral a níveis incompatíveis com a manutenção do quadro social.
Ontem:
Esse pessoal tem filho feito coelho.
Hoje:
Há uma acentuada desproporção no índice natal proveniente das populações economicamente carentes em relação ao aumento demográfico das faixas que, por melhor aquinhoadas, limitam com naturalidade seu crescimento familiar.