Por Marina Amélia
O que é uma periguete? De onde veio, para onde vai e o que pensa a respeito da nanotecnologia e da física quântica no alisamento de cabelos via chapinha? Para entrar (ui!) no universo desse mais recente fenômeno social, é necessário buscar suas origens. Que, aliás, como tudo que não dá certo nesse país, encontram-se em uma das novelas da Rede Globo.
Ela fazia o que lhe dava na cabeça e não estava nem aí para o que pensassem a seu respeito. Seu figurino seguia a filosofia “vestida para matar” (ou “doida pra dar”, tanto faz), com saias coladas e curtas para panicat nenhuma botar defeito. Com essas características, a vulcânica Suelen tinha tudo para ser a megera de “Avenida Brasil”, uma famosa novela das 9 da Rede Globo, que bateu recordes de audiência.
O sucesso da personagem interpretada pela atriz Isis Valverde, porém, teve um efeito contrário. Em vez de ganhar pedradas moralistas do público pelo “modus operandi” para atrair rapazes, ela passou a ser admirada por muitas mulheres, principalmente pela parcela de garotas que, assim como ela, fazem de tudo para ser vistas e admiradas.
São jovens bonitas e sensuais que amam receber olhares por seus atributos naturais e artificiais (a ordem no quartel é colocar próteses de silicone com 250 mililitros). Essa turma gosta de representar perigo, seja para a concorrência feminina, seja para os incautos corações e bolsos masculinos, comportamento que deu origem ao termo que as define: periguete.
Embora o folhetim global fosse ambientado no Rio de Janeiro, o grupo encontrou aqui na taba condições ideais de proliferação: boates badaladas dos mais diversos gêneros musicais que lhes oferecem acesso livre a camarotes onde uma noitada sai por até R$ 10 mil, um circuito de lojas sob medida para se montar e a melhor infraestrutura para cuidar da aparência, com salões de beleza e academias de ginástica de primeira linha, numa proporção maior que a encontrada em qualquer outra capital brasileira.
Para os intelectuais do mundo acadêmico, como a historiadora Mary Del Priore, autora do livro “Histórias Íntimas — Sexualidade e Erotismo na História do Brasil”, a periguete é um tipo que anda no fio da navalha entre admiração e aversão, daí o rebuliço que costuma provocar. “As curvas exprimem a ambivalência e os delírios que contaminam o imaginário das mulheres”, define. “Elas querem ser, ao mesmo tempo, a mulher da casa e a mulher da rua.”
Teorias à parte, nada substitui a experiência de observá-las em ação em seu habitat preferido para quem pretende tirar as próprias conclusões. Não é difícil. Elas se fazem presentes em praticamente todas as baladas da capital. O “periguetômetro” costuma apitar mais alto em festas animadas pelo DJ Evandro Jr, acusando a presença maciça de Suelens.
Ter menos de 30 anos, possuir tempo de sobra para malhar o corpo e sonhar em transformar a audiência das baladas num sucesso de TV, ainda que no papel de subcelebridade, faz parte do pacote básico das meninas. Elas utilizam também um dialeto próprio, com gírias como “no fechado” (no camarote) e “peguete” (romance casual).
“Namorado? Eu saio para a balada quatro vezes por semana. Você imagina ter alguém no meu pé? Nem morta”, conta Jaqueline Ruiz, 25, gerente de uma academia de ginástica na Zona Sul. “Curto minha solteirice, gosto de sair para dançar como se não houvesse amanhã.” Saia-justa só mesmo com a família. Seu maior problema é o ciúme do irmão adolescente, que se queixa do fato de os colegas de classe babarem (e curtirem) por causa das fotos que ela posta no Facebook. Em várias das imagens aparece usando biquíni em poses provocantes.
Apesar da agitada agenda nas madrugadas, no horário comercial muitas delas frequentam o colégio e outras dão expediente num emprego quebra-galho (vendedora de shopping é um clássico), enquanto tentam alçar voos mais altos. Um sonho recorrente é emplacar trabalhos de modelo numa agência. Nas horas vagas, investem pesado na produção para brilhar na noite.
O grande momento do dia, naturalmente, é a noitada. Numa jornada típica, as estudantes Flávia Cogo e Gabriela Mohr podem emendar a saída de uma balada com um passeio na alta madrugada no Camaro de um peguete que acabaram de conhecer e encarar de saideira uma after-hours até as 8h30 da manhã num outro clube. Doze horas depois não é difícil vê-las a postos novamente, prontas para recomeçar tudo.
Entre as regras de ouro da turma, estão os seguintes mandamentos: periguete jamais perde o fôlego e não sente frio. Mas atenção: o ar sexy e o comportamento liberal não devem ser confundidos com os de profissionais da noite (chamadas na gíria das baladas de “fichas rosas”, termo que teria sido cunhado nas agências de modelos para identificar pseudomanequins que comparecem a eventos e estão disponíveis para fazer um expediente extra com os clientes).
O ficar da balada pode até evoluir para o sexo casual — só que isso ocorre apenas quando elas se interessam pelo parceiro. “Um cara já me ofereceu 5 mil reais para dormir com ele, mas rejeitei na hora a proposta”, afirma Jaqueline. A enfermeira Tamara Oliveira Sanches, 21, segue a mesma linha com relação a esse assunto. “Não é porque uso roupas chamativas e curto beijar nas boates que tenho problema de caráter”, defende.
Ela, aliás, se diz uma pessoa de bom coração. Pratica caridade na calada da noite. “Já fiquei com cada cara feio depois de tomar umas doses a mais…”, conta. “Aposto que no outro dia eles acordam felizes, enquanto eu não lembro de muita coisa.” Sexo em troca de dinheiro, portanto, nem pensar. Isso não significa, porém, que elas acreditam no socialismo ou idealizam o amor. Para ter alguma chance, um pretendente precisa ser capaz de bancar uma série de mordomias.
Algumas expressões usadas pelas meninas
Best: designa a melhor amiga. Exemplo: “A Carol é minha best”
Bonde: grupo de amigas que vão juntas à balada
Cafa mara: de cafajeste maravilhoso. Homem estilo machão que arrebata corações
Carro sem telha: carro conversível
Champa: champanhe
Ken: em alusão ao namorado da Barbie, significa homem do tipo mauricinho
Peguete: cara com quem a garota troca uns beijos sem compromisso
No fechado: o camarote da balada
Top: algo excelente. Exemplo: “Fui numa balada top e beijei três”
Os dez mandamentos da turma
- Não sairás para a balada menos do que duas vezes por semana
- Jamais, em hipótese alguma, pagarás a entrada de uma casa noturna
- Serás uma autêntica maria-camarote, ou seja, lançarás olhares e charme para ser convidada para o espaço vip
- Farás de tudo para ficar com algum famoso.
- Terás resistência ao frio, por isso sairás de casa sempre em trajes sumários, mesmo no inverno
- Não terás vergonha de postar fotos de biquíni ou segurando bebida alcoólica no Facebook
- Terás urticária com sapatilhas e sandálias baixas, sendo-lhe permitido usar apenas salto alto
- Terás disposição para encarar a academia todos os dias
- O cabelo crescerá sempre saudável até a cintura, ou não lhe faltará dinheiro para investir em megahair
- Escutarás cantadas e elogios por onde passar
O uniforme para causar
A enfermeira Tamara Oliveira Sanches, de 21 anos, mostra quais são as regras sagradas da turma para compor o visual
CABELOS
Sempre longos (naturais ou megahair), lisos (viva a chapinha!) e com reflexo loiro (alguém tinha dúvida?). “No meu caso, apenas nas pontas”, diz Tamara, fã das manjadas mechas californianas
DECOTE
Periguete que é periguete tem seios fartos — à base de silicone, preferencialmente, ou de sutiã com enchimento. Deixá-los em evidência é um pré-requisito para cair na noite
ACESSÓRIOS
Uma mistura de Viúva Porcina com Natalie Lamour: as garotas amam pulseiras e relógios dourados. As unhas, naturais ou postiças, são sempre longas e em tons chamativos
VESTIDO
Justo como uma meia-calça, curto como uma minissaia e claro como roupa de cama. Esse é o mix para atrair olhares na pista de dança. Tecidos de efeitos plissados acentuam ainda mais as curvas
SAPATOS
A exemplo das drag queens, as periguetes desconhecem o que são sapatilhas e sempre andam de salto alto. De preferência, de 12 centímetros e em cores chamativas. O objetivo é tornear ainda mais as pernas malhadas
Para ser periguete não basta querer, é preciso esforço, dedicação e muito investimento. Ao contrário do que as invejosas imaginam, o estilo não existe só na balada, habitat natural da categoria, mas deve ser mantido e sustentado também no dia-a-dia.
Manual de etiqueta
Para ajudar as aspirantes a Suelen, montamos um pequeno manual de etiqueta para ninguém fazer feio a bordo de um microvestido.
Lição 1: Cuidados com o corpo
Se as coxas não são bem torneadas, malhação já! Vença a preguiça e se interne na academia.
Lição 2: Invista nos acessórios
Peitinho é coisa de modelo, querida. Periguete que é periguete tem o que mostrar. Grite “o silicone é o meu pastor e nada me faltará” e procure um especialista. A partir de 250 mililitros, já dá para começar a conversar. Se estiver na pior, respire fundo, engula o choro e opte por um sutiã com enchimento.
Lição 3: Troque seu guarda-roupa
Roupas largas devem passar longe do seu closet. Invista em minivestidos drapeados e calças justíssimas. E o decote deve ser sempre farto. Você não ficou com problemas na coluna para, agora, esconder a comissão de frente. Capriche em um look bem marcado para mostrar todo seu potencial.
Lição 4: Cabelo estilo crina
Cuide bem dos seus fios. Se não conseguir deixá-los longos naturalmente, não hesite em recorrer ao aplique. E muita escova. A chapinha está aí pra isso.
Lição 5: Os sapatos
Aposente sapatilhas e sandálias baixas. Uma boa periguete não sai de casa com menos de 12 centímetros de salto. Eles ajudam a manter as pernas malhadas e destacam sua produção. Afinal, seu objetivo sempre deve ser atrair o maior número possível de olhares. Para não ter problemas na balada, treine passos de samba ao atravessar a rua. Mesmo correndo para não ser atropelada, o importante é manter a elegância. Em caso de dúvidas, consulte um travesti amigo.