Por Joaquim Ferreira dos Santos
Azeite, não é meu parente! Nem todos entendem, mas a língua que se falava antigamente era tranchã, era ou não era? As palavras pareciam todas usar galocha, e eu me lembro como ficava cabreiro quando aquela tetéia da rua, sempre usando tank colegial, se aprochegava com a barra da anágua aparecendo, vendendo farinha, como se dizia. Só porque tinha me trocado pelo disgramado que charlava numa baratinha, ela sapecava expressões do tipo “Conheceu, papudo?!”. “Ora, vá lamber sabão”, eu devolvia de chofre, com toda a agressividade da época. “Deixa de trololó, sua bacurau.”
Era tempo do onça total. As garotas, algumas tão purgantes que pareciam eternamente de chico, não davam esse mole de escancarar o formato do V-8 sob a saia, e os homens, tirando uma chinfra, botavam pra jambrar com quedes e outras papas-finas. Eu, hein, Rosa?! Tanto quanto o telefone preto, a geladeira branca e o sebo para passar no couro da bola número 5, essas palavras foram sendo consideradas como as garotas feias de então – buchos. Aconteceu com elas, as palavras, o mesmo que ao Zé Trindade – empacotaram, bateram as botas. Tomaram um cascudo, levaram sopapo, catiripapo, e chisparam do vocabulário. Uma pena.
A língua mexe, pra frente e pra trás, e assim como o bacana retornou guaribado para servir de elogio nos tempos modernos, pode ser que breve, na legenda de uma foto da Carolina Dieckmann, os jornais voltem a fazer como diante da Adalgisa Colombo outrora. Digam que ela tem it, que ela é linda, um chuchu. São coisas do arco da velha, vai entender?! Não é só o mistério da ossada da Dana de Teffé que nos une ao passado. Não saberemos nunca, também, quem matou o mequetrefe, a pinimba, o tomar tenência e o neca de pitibiribas, essas delícias vocabulares que, enxotadas pelo bom gosto gramatical, picaram a mula e foram dormitar, como ursos no inverno, numa página escondida do dicionário.
Outro dia eu disse para as minhas filhas que o telefone estava escangalhado. Morreram de rir com esse maiô Catalina que botei na frase. Nada escangalha mais, no máximo não funciona. Me acharam, sem usar tamanho e tão cansativo polissílabo, um completo mocorongo. Como sempre, estavam certas. Eu tenho visto mulheres de botox, homens que escondem a idade, tenho visto todas as formas de burlar a passagem do tempo, mas o que sai da boca tem data. Cuidado, cinquentões, com o ato falho de pedir um ferro de engomar, achar tudo chinfrim, reclamar do galalau que senta na sua frente no cinema e a mania de dizer que a fila do banco está morrinha. Esse papo, por mais que você curta música techno e endívias, denuncia de que década você veio.
Acho maneiro que a Sônia Braga volte, curto às pamparras a Emilinha vendendo CD na praça. Mas por que não dar uma linguada no passado? Sem querer amolar, sem bololô, sem querer fazer arte, sem querer, em tempos já tão complicados, trazer mais angu de caroço para a vida das pessoas, eu torço, quer dizer, tenho a maior queda por um revival linguístico. As mães costumavam passar sabão na língua do ranheta que falava palavrões. De vez em quando, todos sofremos essa limpeza e perdemos palavrinhas tão gostosas quanto aquele mingau de sagu com uma banana caramelada no meio. Será o Benedito?! Ninguém merece.
Da mesma maneira que se foi, parece que para sempre, o crescer a barba como sinônimo de passar vergonha, às vezes dá-se a ressurreição de uma dessas espoletas estabanadas. Eram palavrinhas catitas, todas do tempo em que as moças ficavam incomodadas mas não dormiam de touca. O borogodó, por exemplo, tem tudo para ser um novo mantra de felicidade solar com seus redondos abertos e femininos. Seria uma coqueluche semântica, qual é o pó?! Por que não?! Se a bossa nova voltou, se a boca-de-sino também, por que não a moda da língua retrô? Haverá adjetivo mais correto para aquela vizinha sonsa do 302 do que songamonga? Batatolina. Ô mulherzinha pra gostar de um bafafá!
Essas palavrinhas das antigas, verdadeiros pitéus sonoros, podiam formar o MSL, Movimento das Sem Língua, e exigir assentamento no papo do dia-a-dia ao lado de pamonhas, patas chocas do tipo disponibilizar, fidelizar, maximizar e outras gaiatas que andam fazendo uma interface lambisgóia, totalmente lengalenga, na fala cotidiana. Ficaria, como se diz, um mix contemporâneo.
Uma língua bem exercida é metida, jamais galinha morta. É feita de avanços e recuos, e se isso parece reclame de algum filme apimentado, digamos que, sim, pode ser. Língua, seja qual for, é erótica. Dá prazer brincar com ela. Uma lambida no passado envernizaria novamente palavras que estavam lá, macambúzias e abandonadas, como quizumba, alaúza e jururu, expressões da pá virada como na maciota, onde é que nós estamos! e ir para a cucuia. Certamente, por mais cara de emplastro Sabiá que tenham, elas dariam uma viagrada numa língua que tem sido sacudida apenas pelo que é acessado do cybercafé e o demorô dos manos e das minas.
Meter a língua onde não se é chamado pode ser divertido. Lembro do Oscarito passando a mão na barriga depois de botar pra dentro uma feijoada completa e dizer, todo preguiçoso, pimpão e feliz, “tô com uma idiossincrasia!”. Estava com o bucho cheio, empanturrado de palavras gordas, compridas e nonsenses como um paio de porco. É o banquete que eu sugiro. Troque essa dieta de alface americana de palavra transgênica, que anda na moda mas não vale um caracol. Caia de boca num sarrabulho com assistência na porta, um pifão de tirar uma pestana do caramba, uma carraspana batuta. Essa idiossincrasia vai fazer sentido.
Se alguém, depois de ouvir todas essas palavras de lambuja, repetir mamãe das antigas e, amuado, gritar menino, dobre a língua, não se faça de rogado – estique.