Por Luiz Antonio Simas
Façam uma pesquisa com a seguinte pergunta: quem foi o maior inventor brasileiro? A esmagadora maioria vai, provavelmente, cravar na bucha o bom e velho Santos Dumont. Eu não, até porque continuo a não acreditar que um avião seja de fato capaz de voar.
O maior inventor brasileiro de todos os tempos é Geraldo Décourt – o mítico pai do futebol de botão.
Dizem que Décourt desenvolveu o jogo, no final da década de 1920, arrancando botões de cuecas (cueca naquele tempo tinha botão, vejam só) e de uniformes escolares. Chamou o troço de Celotex, um material usado para fazer as primeiras mesas, e mandou ver.
Registro que há os que negam a paternidade de Décourt e afirmam que o jogo foi inventado por D. Pedro I, nos tempos do Império. O primeiro time foi feito, nessa versão, com os botões de um vestido da Marquesa de Santos.
Outros vão mais longe e afirmam que os índios temiminós, liderados por Araribóia, disputaram a primeira partida da história, com botões feitos com ossos de tupinambás, os seus inimigos. A polêmica é natural, em se tratando de um esporte que seduziu multidões.
Sempre achei o futebol de botão o mais democrático dos esportes mundiais, seguido pelo cuspe a distância e pela purrinha. Já se fez botão de tudo quanto foi jeito no Brasil – osso, tampa de relógio, paletó, plástico, galalite, coco e outros babados.
Lembro bem do caso de um vizinho que arrancou os botões do paletó do avô durante o velório, ao perceber que o velho ia ser enterrado com um material de excelente qualidade para o futebol de mesa. A frase do capeta na hora de surrupiar os botões do velho foi inesquecível:
– Aquele segundo botão, que tem um buraco parecido com um bigode, é o Rivelino. Não vou deixar enterrarem o Riva.
Qualquer lugar era válido para a disputa. Jogava botão, quando era moleque, no chão da casa, na mesa da cozinha e, evidentemente, no Estrelão, a mesa sem cavalete que a Estrela produziu. Goleiros? Chumbinho, caixa de fósforos grande, o famoso Olhão, pedaço de madeira, plástico. Até dentadura de avó eu vi defendendo o gol em partidas improvisadas.
Quando falo em jogar botão, não me refiro ao futebol de mesa – cheio de regras e salamaleques pré-estabelecidos. Botão tem que ser misturado, a bola pode ser até – na falta de coisa melhor – de meleca dura (cansei de fazer bolinhas de meleca quando era moleque) e as regras são decididas na hora. Botão é feito a pelada de rua e ponto.
Outro jogo absolutamente democrático era o pregobol, mais conhecido como preguinho. Esfolava-se o dedo de forma retumbante ao meter os petelecos na moeda que, entre pregos, deveria entrar no gol – e aí era só cantar o que bonito é a torcida delirando.
Essas rápidas recordações, na verdade, me ocorreram por conta de um detalhe. Os garotos de hoje, com raríssimas exceções, não jogam mais preguinho e botão. Na minha adolescência jogar botão era tão natural quanto, para ficar no exemplo básico, descabelar o palhaço. Todo mundo tinha seu time.
Desconfio que a culpa pela agonia do botão e do preguinho entre os moleques é desses jogos eletrônicos malucos que reproduzem com certa fidelidade partidas de futebol. Os garotos ficam agora fazendo tabelinha virtual em computadores e televisões e, seduzidos pela parafernália desses trecos, abandonam as coisas mais simples, que exigem mais talento, têm maior poder de sociabilização, são muito mais divertidas e inventivas.
Defendo, como humanista que sou, os animais em extinção, como o urso panda, o sagui-da-serra, a ararinha azul, o mono-carvoeiro, o macaco-prego, o mico leão, o cachorro do mato de orelha curta, a onça parda, o gato do mato, o tamanduá bandeira e a baleia jubarte. Não posso esquecer de citar os reis momos balofos, a pomada Minâncora, as mulatas do Sargentelli e o Bafo da Onça, em cujas causas pela preservação sempre me engajei.
Lanço aqui, por tudo isso, outra campanha preservacionista: abaixo os jogos virtuais e viva o futebol de botão e o preguinho. É urgente, Brasil!
Abraços
(Publicado no site “Histórias Brasileiras”, em 15 de abril de 2015)