Por Luis Fernando Verissimo
Os insetos herdarão a Terra porque muitos deles nascem com o gene altruísta que determina de que forma se sacrificarão pela comunidade. A formiga operária nasce operária e não sonha em subir na vida para ser capataz, ou um dia ter seu próprio formigueiro. A abelha cuja função na colmeia é morrer pela rainha já nasce resignada a isto. O louva-deus só impregna sua senhora se for decapitado por ela durante o ato, mas não tem como fugir da obrigação conjugal, alegando stress, etc.
Entre os humanos, com a possível exceção do Dunga, ninguém é geneticamente programado para o sacrifício. Mas existe uma determinação genética, manifesta no biótipo ou em coisas indefiníveis como vocação, dom e talento, para que um seja um estivador e o outro seja o Clodovil.
Uma sociedade é feita de estivadores e clodovis com suas respectivas atribuições, e no futebol, até pouco tempo, esse equilíbrio era inquestionável. A defesa defendia, o ataque atacava e as tarefas de cada setor não se confundiam. A ideia de que, quando o time adversário tem a bola, todo o nosso time tem que ser defesa é relativamente nova.
Felizmente a velha discussão sobre até que ponto as atribuições devem ser compartilhadas – “futebol força” contra “futebol arte”, lembra? – perdeu um pouco o sentido. Os dois lados cederam. Hoje não se discute que todos precisam marcar, nem se discute que alguns jogadores excepcionais podem ser liberados do pau a pau para se servirem da abnegação dos outros, como abelhas rainhas.
Os radicais do “futebol força”, que não confiavam em ninguém com menos de um metro e setenta, se deram conta que Maradona, por exemplo, não entraria no seu time. Os românticos se renderam à evidência de que o futebol “alegre” geralmente só fazia a alegria de adversários mais duros. Chegou-se a um precário acordo.
Que sempre é rompido em épocas de Copa do Mundo, quando, na excitação geral, a primeira vítima é o senso de medida. Chegou-se a propor cinco atacantes na nossa seleção, uma volta vertiginosa ao futebol do começo do século, enquanto que o outro lado resmungava sobre a “leveza” do Bebeto e do Romário.
Infelizes são os americanos. No futebol deles tudo já está preordenado, como no mundo dos insetos. Há três ou quatro artistas que lançam, recebem ou correm com a bola, o resto está ali para protegê-los ou lhes abrir o caminho a tapa. Não há discussão teórica. Qual é a graça?