Por Renato Moikano
Em 10 de março de 2011 Caetano Veloso estacionou seu carro no Leblon. “E daí?”, você pergunta. Bem, se você não usou internet na última década, essa pergunta pode até fazer sentido. Mas para qualquer outra pessoa, essa notícia é a mais importante entre as menos relevantes que já foram produzidas no jornalismo.
Ela foi publicada na editoria de Diversão do Portal Terra. Em 10 de março eu era editor-executivo de Diversão no Terra. E estava na redação quando nasceu a notícia mais “memeficada” da década. Mas fui eu quem a escreveu? Não. Chegaremos lá.
Como muitas das lendas, o nascimento dessa passou despercebido para a gente que trabalhava diretamente com a cobertura do dia a dia de celebridades. Junte ao caldeirão de temas ainda Cinema, TV, Música e Teatro.
Mas sejamos sinceros, quem pagava as contas na editoria eram as celebridades. O fato é que nem nos dias seguintes, a baliza de Caetano foi motivo de debate na redação do Terra.
Na verdade, essa notícia se tratava de uma nota produzida às pressas apenas para “movimentar a lista”. Sim, era essa uma das diretrizes que guiava a produção de notícias na internet 10 anos atrás.
Você não podia deixar uma lista de notícias ficar mais do que uma hora sem publicar nada. E nem sempre você tem à mão uma modelo ou atriz curtindo uma praia na terça-feira.
À época, o Terra ainda não contava com uma redação no Rio. E anos depois, quando instalaram uma sucursal carioca, a prioridade da equipe não era exatamente bancar o paparazzo.
Para isso, a gente contava com o serviço de uma agência de fotógrafos, a AgNews, que atuava na cidade exatamente com esse foco. E foi nessa tarde de 10 de março de 2011 que nossa lista de e-mails recebeu uma mensagem dessa agência com um título: Caetano Veloso no Leblon.
A mensagem dava poucos detalhes e trazia algumas imagens do cantor registradas pelo fotojornalista Fausto Candelaria. Hoje talvez algumas das imagens mais reproduzidas de Caetano.
A dinâmica de trabalho da equipe do Terra nessa época já era bem organizada. Redatores se dividiam entre listas e pendências que eram passadas pelos editores assistentes. Os redatores eram previamente treinados e tinham liberdade para produzir notas e publicar. Elas então eram submetidas aos assistentes e editores de capa do portal.
Mas com tantos envolvidos, por que ninguém se deu conta da irrelevância da manobra de Caetano? Porque dezenas de notícias irrelevantes como essa eram postadas todos os dias por todos os portais. É o primeiro de muitos mistérios entender porque o passeio de Caetano pelo Leblon virou esse marco jornalístico.
Se não me engano levou um ano para que a notícia começasse a ganhar a notoriedade infame. Quando isso começou, nós do Terra corremos para ver em que circunstâncias ela havia sido produzida: quem fez, quem estava lá, etc. Nada de caça às bruxas.
Existia uma pitada de auto humor, mas principalmente de empenho em melhorar a cobertura. Foi aí que surgiu o segundo grande mistério: quem havia feito a notícia?
Toda notícia publicada trazia em seu log os dados do usuário que havia inserido o texto no sistema. Mas a notícia do Leblon trazia no log o nome de uma pessoa que estava de folga no dia. E, para um assistente lembrar, um ano depois, quem teria produzido uma notícia numa tarde de terça-feira era tarefa impossível.
Outro elemento que envolveu a autoria da notícia em mistério era a rotatividade da equipe. Tratava-se de uma época em que o Terra contratava alguns redatores em regime temporário para reforçar algumas coberturas. Como isso demandava um trabalho extra para a equipe de TI da empresa, muitas vezes e-mail e login desses temporários demoravam para surgir. E como urgência é o sobrenome de jornalismo online, editores cediam suas credenciais digitais para que novos funcionários conseguissem produzir.
Os anos passaram e a cada 10 de março a gente celebrava a data histórica da manobra de Caetano Veloso no Leblon. Em agosto de 2014 eu deixei o Terra, e as perguntas permaneciam. Quem havia feito a notícia? Por que Caetano estacionou no Leblon? E que carro ele dirigia?
Um ano depois da minha saída, uma reestruturação da empresa mudou totalmente todas as equipes. Todos os envolvidos com a notícia de Caetano já não trabalhavam mais lá.
Por iniciativa de um dos editores, todos os ex-integrantes do time de Diversão do Terra nos reunimos virtualmente. A pergunta era direta: “sério, quem fez a notícia?”. Uma pessoa que fez parte do time de temporários levantou a mão e admitiu!
Não vou dar nomes por motivos óbvios, mas é impossível que eu, editor-executivo do time à ocasião, não me apresente como principal responsável.
Está respondido um dos mistérios. O segundo, Caetano respondeu hoje, em sua estreia no Tik Tok. Por que ele estacionou no Leblon? Porque Ipanema é muito cheio.
Menos de um mês antes da baliza mais importante da história da música brasileira eu estive com Caetano. Ele me recebeu no Rio para uma entrevista.
De todas as perguntas que não fiz naquelas horas que passamos conversando sobre música, política e sociedade, a que mais me arrependo de não ter feito é: “Caetano, que carro você dirige?”
Esse mistério me persegue.
Desde então, e antes mesmo de vir trabalhar na Motor Show, passei a perguntar isso para todo entrevistado. Nunca se sabe quando uma celebridade vai mudar o jornalismo com uma baliza.