Por Álvaro Costa e Silva
“Você infelizmente ainda fala esse português inapropriado, esse português brasileiro. Você precisa aprender a falar direito”. Foi o que ouviu em Lisboa uma estudante brasileira de sua professora portuguesa, revela uma reportagem de Giuliana Miranda na Folha.
Trata-se de conflito antigo, quase institucionalizado, envolvendo os dois países. Rubem Braga – de acordo com o testemunho de Rachel de Queiroz numa crônica – soube como ninguém enfrentar e refutar esse preconceito linguístico. Braga estava sentado num café em Paris, tentando seduzir uma bela moça de origem lusa, quando falou um brasileirismo e foi corrigido: “Em Portugal não dizemos assim”.
Os encantos da rapariga evaporaram. Braga fechou a cara para desfiar sua teoria. Citou a Escola de Sagres, a Era dos Descobrimentos, Vasco da Gama e a armada de Cabral, “que veio inventar o Brasil”. Na visão dele, enquanto a colônia cresceu, Portugal se esvaziou, perdendo a fina flor da fidalguia e do clero. No rasto do ouro de Minas, para cá vieram os que melhor escreviam, os que melhor falavam – “a própria inteligência”. A pá de cal foi a invasão napoleônica, a mudança total da corte, trazendo a biblioteca real, que nunca mais voltou.
Nessa altura da história, tiveram de inventar a palavra “soidade”, segundo Rubem Braga, porque Portugal havia perdido a língua, a original, a dos clássicos, a de Luís de Camões: “O país ficou falando até hoje um dialeto de camponeses e pescadores”.
“Quer uma prova?”, perguntava o cronista, franzindo as sobrancelhas e fremindo o bigode. “Recite Os Lusíadas ao ritmo do atual falar português. Não dá! Fica tudo de pé quebrado! Camões metrificou o poema no ritmo do falar de então, que veio a ser o nosso!”.
Comedora de vogais e de sílabas, a professora portuguesa hoje manda a estudante brasileira pôr um lápis na boca para treinar a fala porque acredita que a dicção dela é ruim.