Por Henrique Cazes (*)
O grande bandolinista Joel Nascimento é um tremendo gozador e inventor de expressões originais para o vocabulário. Aqui vão alguns exemplos marcantes:
– O meu vizinho se converteu e agora só escuta aquelas músicas chatas de crente. Virou “pentelhocostal”.
Sobrevoando a cidade de Rio Branco, no Acre, fez a seguinte observação:
– Olha lá, é uma cidade barroca, barro pra todo lado.
Os termos usuais da linguagem musical também ganham paródias. Pizzicato, por exemplo, ele chama de “pissiricato”. Trítono, de tripanossoma. Seu andamento predileto é o alegro ma non trepo. Quando o arranjo é metido a moderno, mas soa mal, ele não perdoa:
– Isso é música “dodecafona”.
Quando quer mais reverber no som de seu bandolim, Joel pede pro técnico:
– Bota um “ecuzinho” por favor.
Um dia, numa roda de choro frequentada basicamente por yuppies que não se sabe o que faziam ali, Joel sentou-se ao piano (instrumento que estudou na juventude) e começaram os pedidos. Toca Chopin, toca Nazareth.
Joel olhou sério para a audiência e anunciou:
– Eu vou “intertrepar” a Ave Maria, de Sunda.
A turma do choro foi rir no quintal, mas um rapazinho meio efeminado perguntou:
– Que Sunda?
Como se diz no botequim, otário e resfriado são duas coisas que não vão acabar nunca.
Seresteiro obtuso
Noel Rosa gostava das madrugadas e, quando não tinha carro, escalava motoristas de táxi para acompanha-lo no périplo noturno.
Um desses motoristas tinha o apelido de Malhado, em função do vitiligo. Possuía voz possante, que gostava de exibir em serenatas, e vivia pedindo a Noel uma música em que pudesse exibir seus dotes vocais.
Noel percebeu um detalhe interessante. Malhado cantava valsa e canções com palavras difíceis de que ele não conhecia o significado. Diante disso, resolveu compor uma canção para o amigo motorista.
Depois de pronta a composição, Noel ensinou versos e melodias para Malhado e combinou de fazerem a estreia da obra numa serenata para as filhas de um coronel lá de Vila Isabel.
Ao chegar diante do sobrado do coronel, Noel disse que ficaria do outro lado da rua, para dar o destaque que a voz de Malhado merecia. Feriu o tom e o cantor atacou:
“Saí da tu alcova
Com o prepúcio dolorido
Deixando teu clitóris gotejante
De volúpia emurchecido
Porém o gonococos da paixão
Aumentou minha tensão”
O coronel levantou atirando. Malhado correu para a esquina onde Noel já o esperava. Lívido, parou diante do Poeta da Vila, que o consolou:
– Isso é pra você ver, Malhado, o que é a falta de sensibilidade dessa gente.
O justo valor
Embora fosse uma definição realmente crua, essa história de palhaça de televisão não tinha tom pejorativo, explicava a ex-cantora Aracy de Almeida. Ela garantia que era sempre muito bem tratada pelo SBT. A emissora mandava semanalmente um funcionário para subornar o chefe do trem noturno que fazia a ligação Rio-São Paulo, a fim de que ela pudesse viajar com seus cachorrinhos preferidos.
Um dia apareceu no quadro de calouros – “Quanto Vale o Show” – uma moça para cantar um samba que fazia sucesso na época, do repertório da Alcione. A moça era mulata e usava uma calça de lycra amarela realçando sua bunda descomunal.
Após alguns erros e acertos, a caloura encerrou sua apresentação, e Sílvio Santos foi interpelando um a um do júri, até que chegou em Aracy.
– Aracy de Almeida, quanto vale o show?
Aracy ajeitou os óculos e fez sua avaliação:
– Minha filha, tu leva quinhentas prata, mas é pelo tamanho da jaca.
Quizila mal resolvida
A coisa mais fácil de acontecer entre pessoas de porre é um desentendimento. Qualquer motivo pode ser a causa da diáspora e as consequências só serão conhecidas no dia seguinte.
Foi assim com uma discussão entre a cantora Miúcha e o agitador cultural Albino Pinheiro. Os dois discutiram e chegaram a se estranhar, por causa de um assunto que no dia seguinte ninguém lembrava.
Ao acordar, cheia de arrependimento e culpa, Miúcha resolveu ligar para Albino e colocar tudo em pratos limpos. Aconteceu que Albino tinha ido à casa do grande Sivuca, para combinar o roteiro de um show da série Seis e Meia, e deixara o telefone de onde estaria para qualquer eventualidade.
Sem saber para onde estava ligando, Miúcha telefonou para a casa do Sivuca, sendo atendida pela esposa do instrumentista, a cantora e compositora Glorinha Gadelha. Miúcha foi logo perguntando:
– O Albino está?
Do outro lado da linha, Glorinha, ciosa de sua função de fiel escudeira do marido, não se conteve diante de tamanha falta de respeito:
– Olha aqui, albino é a puta que lhe pariu!
Miúcha custou a “cair a ficha”.
Romance truculento
Em meados dos anos 80, havia uma atriz-modelo-manequim que fazia de tudo para aparecer, incluindo até entrar nua em redação de grande jornal no Rio e em São Paulo. Um certo dia, a cantora e compositora Ângela Ro Ro cismou que queria ter um encontro com a tal moça e não poupou esforços. De imediato, ligou para o Cazuza, que era amigo da mocinha.
Cazuza não quis dizer onde estava a amiga e despertou a fúria de Ângela, que foi pessoalmente à casa de Miúcha – pois ele era amigo inseparável da Bebel Gilberto, filha da cantora – para arrancar informações. Chegando lá, tocou a campainha muitas vezes e, em seguida, começou a esmurrar a porta. Nesse momento, Miúcha entrou em desespero:
– Cazuza, você é o único homem nesta casa. Faz alguma coisa!
Todos tiveram um acesso de riso e ouviu-se um estrondo. Era a porta vindo abaixo.
Posto diante de Ângela, Cazuza, se tremendo todo, deu o serviço:
– Ela está na casa da Neuzinha Brizola.
Ângela deu meia-volta e saiu sem se despedir. Na casa da intérprete de “Mintchura” (será que alguém ainda se lembra?), Ângela foi recebida com sorrisos e retribuiu com um murro que nocauteou Neuzinha. Feito isso, pegou a moça pelo braço e deu o fora. Nem no tempo das cavernas houve assédio tão delicado.
(*) do livro “Suíte Gargalhadas”, de Henrique Cazes, publicado pela José Olympio Editora