Como em casa de ferreiro, espeto de pau, Israel Paulain, o filho mais velho de Carlos e Regina Paulain, resolveu confirmar o velho ditado lusitano. Ele tinha tudo para ser mais um integrante da nação azul e branca e fiel devoto do bumbá Caprichoso, tal como seus pais, irmãos, primos, tios, parentes e aderentes. Tinha.
Ainda bebê, Israel virou o quindim de seu tio Salomão Cohen, casado com Arlete, irmã de Carlos Paulain.
Filho do lendário Pichita Cohen (ele gostava tanto do touro branco que morreu do coração quando comemorava mais um título do bumbá Garantido), Salomão se encarregou de fazer uma lavagem cerebral no moleque.
Aos três anos, ele assombrava Israel com sua versão livre para os contos de fada. Chapeuzinho Vermelho enfrentava não um Lobo Mau, mas um Touro Negro, que era morto pelos vaqueiros do Garantido. Os três porquinhos eram perseguidos pelo famigerado Touro Negro, que também tinha o mesmo fim. A madrasta da Branca de Neve não era uma bruxa, mas uma Vaca Negra disfarçada de bruxa e assim por diante.
No dia em que embalou o sobrinho pra dormir cantando “Boi, boi, boi/ Boi da cara preta/ Pega essa criança/ Que ainda dorme de chupeta”, Israel jogou seu pipo fora como se aquilo fosse coisa do demônio. Tinha quatro anos e nunca mais tocou numa chupeta.
Salomão gostava de levar o sobrinho nas sorveterias de Parintins. Quando o moleque começava a saborear um sorvete de graviola, Salomão se jogava no chão, gritando, se debatendo, rolando e gritando de dor, fazendo o maior escarcéu da paróquia:
– Ele me mordeu! Ai, ai! Ele me mordeu! Ele me mordeu! – gemia.
– Quem? Quem? – acudia o pequeno Israel, em pânico.
– Aquele maldito touro negro! Aquilo tem parte com o cão! Ele fica invisível só pra malinar das pessoas… Aquele touro negro é uma peste, não vale o que o gato enterra!
Israel, com cinco anos, não conseguia entender como aquele maldito touro negro tinha coragem de morder aquele seu tio pai-d’égua, que vivia lhe pagando sorvetes de graviola.
Pro sentimento de angústia se transformar em ódio, foi conta de multiplicar. Para começar a frequentar os ensaios do bumbá Garantido escondido do pai e levado pelo tio, também.
Aos oito anos, ele criou coragem e peitou Carlos Paulain. Não queria mais saber das cores azul e branco, nem do bumbá Caprichoso. Seu coração era vermelho.
Sem outra alternativa, Carlos Paulain compôs uma toada entregando o filho para o bumbá “contrário” chamada “Sangue novo”.
Há quase duas décadas, Israel Paulain é o apresentador oficial do boi Garantido. E continua devotando um ódio homicida ao touro negro.
Esse Salomão Cohen não vale uma perna de arraia, parente!